Cabo Delgado abandonado

Quase todos os dias, chegam notícias, ainda que muito refinadas pela polícia, de ataques às populações de Cabo Delgado por grupos armados que perseguem objectivos, até agora, o governo não consegue esclarecer de forma convincente.

Uns dizem que são militantes do grupo terrorista Al-Shabab, outros falam que elementos do Al-Sunna, outros ainda insinuam que são moçambicanos locais que veem oportunidades de emprego nos projectos de gás a passar-lhes por cima.

Qual é a versão do governo, depois de 14 meses de ataques? – Nós não conhecemos nada do que está  a  acontecer, apesar de ter contingentes policial e militar lá estacionados e com todos os meios disponíveis.

Os comunicados ou briefings policiais são ocos e de conteúdo sofrível. Limitam-se a dizer que são indivíduos armados desconhecidos e, por fim, terminam com o enferrujado slogan de  “estamos a trabalhar para esclarecer a situação”.

Disso todos já sabem, mas já  é tempo de a polícia dizer quem são esses insurgentes e se insurgem contra quem e de quê. São questões que a polícia não esclarece, não se sabe se se trata de incompetência ou há outras razões  que a polícia pretende manter em segredo. Ficamos curiosos quando ouvimos o comandante-chefe a lamentar-se. O comandante não tem que se lamentar. Os indisciplinados punem-se e os incompetentes exoneram-se.

A polícia não quer dizer ao público  o que se passa. O mais estranho consiste no facto de mesmo o comandante-chefe das Forças  de Defesa e Segurança, o Chefe de Estado, Filipe Nyusi,  ter vindo a público dizer que a polícia não diz nada.

Como, então, funciona a cadeia do comando? Os relatórios e informes das operações morrem na gaveta do comandante-geral da PRM? Estamos baralhados por essa maneira de funcionar. A nossa experiência na direcção das tropas, permite-nos concluir de algo está errado.

Desejaríamos estar errados no nosso raciocínio, porém, até prova em contrário, a polícia está  a esconder algo de errado.

Quanto a nós,  nenhuma pobreza, desemprego ou alguma convicção religiosa pode justificar matanças de pessoas indefesas.

O tempo das supostas guerras religiosas já passou. As cruzadas que a História registou tinham como pano de fundo interesses económicos, comerciais. A religião  servia de condimento para justificar as chacinas dos invasores. Enquanto a polícia não  consegue dizer ou fazer nada de jeito, as populações de Cabo Delgado continuam sendo assassinadas, (já foram assassinadas mais 100 pessoas) seus bens roubados e casas incendiadas.

Já que o Estado abandonou, à sua sorte, as populações de Cabo Delgado, justifica-se que encontre meios alternativos de sobrevivência, como elas meterem-se pela mata adentro à procura dos ditos insurgentes e despedaça-los. Não somos apologista da justiça pelas próprias mãos, porem, entendemos que isso seja em legítima defesa.

Por último, se perguntar não ofende, ficaria o governo nessa lengalenga se os insurgentes atacassem, directamente, os projectos de gás  ou de prospecção de petróleo?

Edwin Hounnou

Este artigo foi publicado em primeira mão na versão PDF do jornal Correio da manhã, edição de 13 de Dezembro de 2018 na rubrica semanal MIRADOURO

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