Josina Machel: Matalane

Josina Machel junta-se ao clamor em torno dos abusos sexuais protagonizado sobre um grupo de instruendas no Centro de Formação de Matalane. Eis na íntegra a carta que pediu ao Correio da manhã para replicá-la:

“Não criamos o Destacamento Feminino para fornecer amantes aos comandantes”

Samora Moisés Machel, 1967.

Nos últimos anos, temos testemunhado muitos casos de violência em instituições de Ensino, com base no género. Na maioria das vezes tomamos o papel de meros espectadores: ouvimos, comentamos, mas acabamos por nada fazer a respeito dos professores que abusam sexualmente, com desmesura, crianças e raparigas nas nossas escolas, universidades e outros estabelecimentos de ensino. Como sociedade estamos a tomar a violência como uma coisa normal. Ao fim de três dias, uma semana, o assunto é votado ao esquecimento, como se ele não nos dissesse respeito, por não atingirem as nossas filhas ou entes queridas.

Fomos agora tomados pelo enfurecedor escândalo das 15 raparigas que “foram engravidadas” no Centro de Formação de Matalane. A verdade dos factos prova que homens adultos, com responsabilidades de Estado, instrutores e, mais grave, chefes de famílias, violaram sexualmente de forma sistemática raparigas instruendas no Centro Formação de Matalane. Ficou exposta uma pequena abertura de uma enorme lata de vermes, sobre a execrável realidade do abuso dos direitos da mulher, através da prática da violação sexual a mulheres indefesas.

Estas 15 jovens instruendas saíram de suas casas em busca de educação, formação e conhecimentos para poderem trabalhar e ganhar sustento para si e suas famílias, ao serviço do Estado. Porém, acabaram sendo vítimas de violações sexuais sistemáticas; vítimas de violência perpetuadas por homens responsáveis pela sua educação cívica ao serviço do cidadão; vítimas dos que lhes deveriam assegurar proteção e segurança.

O caso do abuso que se abateu sobre estas 15 jovens que ficaram grávidas em consequência das violações a que foram sujeitas é, tão somente, uma evidência dos crimes diários, que acontecem com muitas mais jovens naquela, e noutras instituições de ensino. Elas, assim como as suas restantes colegas, precisam de atendimento médico especializado urgente, para tratamento do trauma por que passaram. Certamente que não são as únicas que foram alvo do abuso. Elas são a face visível deste escândalo porque engravidaram, mas seguramente haverá as que não fazem parte da estatística de gravidezes e que também foram abusadas, humilhadas.

Este tipo de abuso sexual em instituições de ensino não é segredo de alguns instrutores, é sim um sinal de comportamentos consecutivos, normalizados, encorajados e institucionalizados. Caso o Ministério do Interior leve a cabo um trabalho de investigação sério, corremos o risco de ficarmos a saber que a violação sexual de instruendas faz parte de um ritual de introdução de novatas a esta instituição. O que significa que milhares de mulheres que passaram por este Centro de Formação durante vários anos, foram também abusadas, humilhadas e violadas pelos seus instrutores durante o período de instrução.

Como sociedade devemos perguntar:

Estas 15 instruendas foram violadas por quantos instrutores?

Será que estas 15 jovens poderão identificar os progenitores das crianças que estão a gestar, ou foram violadas por vários homens?

Vamos ficar a saber quem são estes violadores, os seus nomes e faces, ou terão o privilégio de se manterem anónimos?

Que tipo de trauma estão elas a passar durante estas gravidezes indesejadas?

Quem vai garantir o sustento das crianças geradas pelas violações se as suas mães estão privadas da sua fonte de sustento?

Uma vez que o crime foi cometido dentro de uma instituição do Estado, qual será a sua responsabilização. Ou será que se vai refugiar na figura de que o crime foi praticado à sua revelia e, portanto, de exclusiva responsabilidade dos seus autores?

Que tipo de mães serão para estas crianças que para sempre serão uma recordação do abuso sexual que viveram?

O que vai ser feito com os já identificados autores deste crime praticado numa instituição que tem por missão formar defensores dos direitos do cidadão?

Moçambique criminalizou actos de violência contra as mulheres em 2009, através da adopção da Lei 09/2009. Portanto, homens que agridam, violem, amputem e matem mulheres são criminosos tal como os ladrões e assassinos. Desta mesma forma, homens que abusam alunas em troca de aproveitamento escolar são criminosos que usam as suas posições de poder e hierarquia para satisfazerem seus próprios desejos com impunidade. É incorreto que os instrutores sejam somente suspensos dos seus postos. Serem suspensos sugere que podem ser transferidos para outras posições dentro das Instituições de Estado. Isso significará uma palmadinha nas costas e, caso encerrado. Tal é inaceitável. Criminosos não devem ter espaço para operar nas instituições de Estado, portanto estes instrutores e os outros que colaboram por “omissão ou falta de acção” têm que ser expulsos do Aparelho de Estado. Não podemos ter um antro de criminosos em instituições que tem o dever de proteger mulheres e todos os cidadãos da nossa sociedade. Que se faça exemplo destes para que todos abusadores saibam que não existe espaço para eles nesta sociedade. Há que provar que as Leis existem para serem aplicadas. De outra forma, para que servem?

De forma a lidar-se adequadamente com este caso das 15 jovens – que é apenas a ponta do iceberg – é necessário que estes homens não fiquem impunes, nem mereçam qualquer tipo de protecção. Para eles, pena de prisão será a punicão acertada. A cadeia é o local onde devem passar a residir.

Os Ministérios do Interior, da Educação, do Género e Acção Social, da Justiça e da Administração Estatal, em conjunto com a PGR, com o acompanhamento da Assembleia da República, devem abrir um processo de investigação sobre este assunto, e que tal processo tenha um final público…e que não fique na eternidade da demora e do silêncio que vários processos têm tido.

Esta investigação necessita de envolver mulheres que tenham passado por esta tortuosa experiência para realmente se desvendar a existência, ou não, de uma tradição institucional de abuso sexual contra as instruendas.

É imperativo que todas estas jovens tenham aconselhamento necessário para ultrapassarem o trauma que viveram naquele centro. O mesmo tem que ser feito contra estes abusadores de mulheres porque senão continuarão a abusar e traumatizar membros da sua família e sociedade no geral.

O Ministério do Interior tem que:

Adoptar uma política clara da Violência contra Mulheres,

Disseminar massivamente e regularmente essa política, e assegurar que todos os anos instruendos e instrutores sejam educados sobre a mesma;

Criar processos e mecanismos para reportar casos de abuso, sem ameaças de intimidação;

Penalizar todos aqueles que sejam identificados como abusadores.

A impunidade alimenta a Violência dos Homens contra as mulheres.

Que haja Justiça! #JustiçaParaTodasMulheres! #JustiçaparaInstruendasdeMatalane!

Que as Mulheres sejam capazes de ter e ver a Justiça sendo feita!

Um Estado de Injustiça jamais sobreviverá!

JOSINA Z. MACHEL

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