A aventura que valeu a pena
A aventura que valeu a pena – Quando, em 1997, recebi, de Leandro Paul, uma proposta para fazer parte de um projecto de criação de um jornal electrónico, pensei muito. Porque a condição que me colocava era de eu abandonar o semanário Savana de que era efectivo e ele, colega, editor de um suplemento económico.
Perdi noites a pensar no casamento que é uma sociedade entre eu e o Refinaldo Chilengue, que vinha da agência noticiosa portuguesa LUSA, e o Leandro Paul. Torturava-me a ideia de ter que deixar o jornal que eu tanto amava e onde senti o sabor de escrever sem censura e protegido pela liberdade de imprensa, ao sétimo ano do seu exercício no país.
Mais difícil tornava-se tomar uma decisão final sobre o assunto porque não significava apenas desintegrar-me do Savana, mas, e sobretudo, aceitar trabalhar num projecto que me era proposto sem nenhuma remuneração até que a nossa empresa, que ficou conhecida pelo nome de Sojornal, Lda, fosse capaz, financeiramente, de pagar os ordenados.
Era uma autêntica aventura porque nenhum de nós tinha experiência de gestão empresarial. Um desafio porque significava que cada um de nós tinha que “se virar” para dar de comer à sua família esperando pelos melhores dias. Vender os nossos conhecimentos. O saber fazer para garantir o pão de cada dia.
Mas a ideia de ser um patrão, pelo menos uma vez na vida. Dono de um jornal, num mercado até então fértil e ávida em ter acesso ao outro lado da história. Para além da informação oficial e, em alguns casos, oficiosa que a imprensa pública oferecia ao público, acabou por vencer e alinhei no projecto.
Venceu porque achei que a nova publicação era uma valente contribuição para o exercício do direito dos cidadãos à informação. Um impulso à jovem democracia moçambicana e, por essa via, a promoção de uma boa governação no país.
Venceu porque chamei à consciência o ditado que diz que é preciso arriscar para petiscar. Arriscar para depois colher os loiros. Arriscar para impor-se no mercado. Arriscar para ser alguém na vida. Arriscar para colocar o jornal na pauta dos principais do país. Arriscar para ficar na história de jornalismo moçambicano.
Partimos humildes, com um modesto capital social de 18 mil meticais repartido quase por igual e sem maioritário, mas o nosso grau profissional. A nossa experiência e credibilidade na praça. As nossas influências. O nosso esforço, dedicação e, acima de tudo, a crença na nossa capacidade como jornalistas falaram mais alto. Em tão pouco tempo tivemos muitos assinantes e publicidade suficientes para estabilizar o negócio.
Conseguimos atingir os nossos objectivos, num mercado ainda virgem e com muito espaço para o surgimento de mais publicações privadas. Conseguimos porque o nosso produto foi aceite e acarinhado pelo mercado. Conseguimos porque, contrariamente ao que alguns apregoavam, não morremos na segunda edição e, felizmente, passados 24 anos da sua criação, o jornal continua a circular. O mesmo de sempre e fiel à sua linha editorial.
Além do jornal diário, a empresa conta, hoje, com outro produto fascinante, a revista Prestígio que, modéstia à parte, não tem comparação em termos de tratamento dos temas que escolheu cobrir. Este título surgiu justamente no dia em que o jornal celebrava o seu 10º aniversário de existência.
O que mudou são os sócios. Eu e o Leandro Paul saímos da SOJORNAL e abraçamos outros desafios na área empresarial, mas é como se estivéssemos ainda lá. O nosso antigo sócio, o Refinaldo Chilengue, sócio maioritário da empresa, continua a ouvir-nos quando quer tomar uma decisão estrutural. Nada obriga-lhe a fazer isso, mas por uma questão de respeito e consideração, dá-nos o prazer de opinar sobre algumas coisas, como foi, agora, no processo da mudança de nome do jornal, que passou de “Correio da manhã” para “Redactor”.
Muito obrigado por essa sua atitude e os meus parabéns a todo o corpo redactorial do jornal Redactor e da revista Prestígio e aos outros colaboradores da SOJORNAL pela resiliência.
Hoje o mercado está muito difícil, pior agora com a situação de coronavírus. Fica aqui uma lição para todos de que é preciso acreditar e acarinhar boas iniciativas de moçambicanos, sejam estes negros, brancos, mestiços e indianos. A prova está aqui. (A aventura que valeu a pena)
ALEXANDRE CHIURE *
* é hoje jornalista e consultor de comunicação, escreveu o artigo intilutaldo A aventura que valeu apena, por ocasião da passagem dos 24 anos do jornal Redactor e 14 da revista Prestígio, que se assinala no dia 10 de Fevereiro de 2021
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