A última palavra

Certa vez, ainda na adolescência, presenciei um episódio muito triste e quero acreditar que isso acontece em quase todas as famílias.

Um homem abastado estava doente e na fase terminal, por isso a família deslocara-se para a casa do enfermo e lá fixou as suas noites de dormida. Era dormida aqui, dormida acolá; comida aqui; comida acolá; os filhos, tristes e inconsoláveis, a esposa deitando lágrimas e ranho sem cessar. Era o prenúncio de um tempo sombrio.

Quando ele quisesse falar, todos ficavam atentos, para não lhes escapar uma só palavra. A maior parte da família estava preocupada com a herança, menos com os filhos. Eram carros, casas, dinheiro, entre outros bens que o homem tinha acumulado ao longo do tempo que gozava de boa vida e boa saúde. Era um festival de espera e desespero. Era um show de talentos de demonstração de aproximação familiar. Era um caos para os filhos e a esposa. Familiares que nunca visitaram o homem estavam ali passando noites frívolas em busca de uma lembrança, caso o senhor arrumasse as botas.

A última palavra.

Quando alguém morre, tudo o que se procura é a última palavra, “o que ele disse?”, “deixou alguma coisa? ”, é o que fica na agonia, no último suspiro.

A última palavra tem poder sobre todos e ela deve ser seguida na íntegra.

Ao longo do tempo em que houve confrontos armados entre a Renamo e a Frelimo, os membros apenas queriam a última palavra, há quem chama isso de voz de comando; outros chamam de voz de marcha; alguns de última palavra ou palavra de ordem. Seja qual for a designação, a última palavra tem força.

Quem no nosso país deve dar a última palavra? Quem deve dar o seu ombro ao povo? Quem deu a ordem de comando para matar as pessoas em nome da pseudo-democracia? Quem orienta a insegurança nesta Pérola do Índico? Quem incentiva a insegurança aqui? Quem é o pai da baderna aqui? Quem tem a última palavra aqui? A que tirano se refere o nosso Hino Nacional?

Enquanto se finge de bons e vencedores, o povo morre sem que ninguém diga algo. Cessar-fogo e repor-se a verdade ou assistir-se à imprudência dos que detêm a arma em nome da segurança? Este modelo de governação baseado no ódio, vingança, balbúrdia, intransparência e insegurança traz um mau exemplo e cria letargia e, por conseguinte, será adoptado pelos nossos filhos e o país não passará de um quartel de mortes e um corredor de homicídios em nome do poder.

A ovacionar-se esta forma de fazer política, não se está a transmitir bons exemplos e isso será oneroso para este povo. “As palavras convencem e o exemplo arrasta”. Para quem governa, ser exemplar devia ser uma regra ou lei. A sociedade é chamada não só a repudiar verbalmente como também a tomar atitudes, pois não se pode aceitar nem assistir a sua destruição e conformar-se. A cobardia é a pior doença que um povo pode ter.

Não entendo por que o povo se reduziu até ao nível de um cachorro querendo apenas osso? A pior razão que vitima os moçambicanos não é a cólera, SIDA, malária, tuberculose, febre tifoide, etc. São a cobardia e politiquice associadas à ganância e intolerância. Concluo que as nossas universidades, os outros locais de formação do homem novo e a ciência não servem para nada. A ciência é a força regridora deste país e os académicos que seriam a força da mudança, a esperança do povo e a fonte de inspiração têm mentes arbitrárias e com cultura académica ambivalente. Eles são inertes e objectos do sistema.

Se a última palavra não vale, o que então se espera de um povo sofrido como o nosso? Um povo sem firmeza não tem a sua história admirada, quem não busca a sua própria identidade passará o resto da vida sorrindo para a identidade dos outros. Quem não olha para si, apenas aprenderá a admirar o esforço alheio.

JÚNIOR RAFAEL

Este artigo foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Redactor, na sua edição de 30 de Outubro de 2023, na rubrica de opinião.

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