Aplaudir um “crocodilo”!

Aplaudir um “crocodilo”! – É, no mínimo, inusitada esta atitude, que me parece como aquela de um Homem que, alegremente, do cimo de um pedregulho de um monte se atira para o escuro/desconhecido abaixo, numa de celebração da liberdade!

Emmerson Mnangagwa, de 75 anos de idade, durante quase meio século, comparsa de peito de Robert Gabriel Mugabe (93) ao ponto de ser seu vice-presidente, tem, segundo os conhecedores do histórico do Zimbabwe, a alcunha de “crocodilo” e possui fama de ser perigoso quanto basta.

Aliás, quem não sabe a milhenta de metáforas e ironias em torno da postura de “crocodilo”, desde as chamadas “lágrimas” até à paciência e fingimento deste perigoso réptil? Não me parece uma alcunha atribuída à toa, por meros brincalhões!

Mnangangwa esteve sempre na sombra e em conluio canino com Mugabe, e só sentiu que o idoso estadista era “tirano” quando lhe apalpou os “tomates”, sob acusação de bruxaria.

O seu currículo fica, agora, enriquecido com o detalhe de ter sido o arquitecto de um golpe de Estado cujos contornos/metodologias poderão ser alvo de cobiça e inspiração para muitos oficiais generais africanos, talvez não apenas.

O general Constantino Guvheya Chiwenga, autor material da chamada Operação Restore Legacy (Operação para Restauração da Legalidade), deve andar com a caixa do seu email abarrotada de mensagens de colegas castrenses para se inteirar sobre como implementar idêntica façanha que deixa a SADC, a União Africana e as Nações Unidas sem espaço de manobra para condenar o acto que removeu Mugabe, Grace e alguns integrantes do “G40” (ala juvenil dos nascidos pós-independência) e alguns acocorados apparathikcs lá da terra do Monomotapa.

Emmerson Mnangagwa e Robert Mugabe são velhos comparsas (já lá vão cerca de 50 anos)
Emmerson Mnangagwa e Robert Mugabe são velhos comparsas (já lá vão cerca de 50 anos)

É que, até prova em contrário, me parece que esta mudança de protagonistas em Harare basicamente se circunscreveu em retirar o poder real daqueles (Mugabe, Grace, “G40” e alguns acocorados apparathikcs) para a ZANU-PF, que deste modo fica mais fortalecido e deixa mais marginalizadas as já fragilizadas organizações oposicionistas políticas que ao longo destes dias têm estado simplesmente na periferia, como simples espectadores.

Claramente, depois desta acção que culmina com a investidura, esta sexta-feira, de Emmerson Mnangagwa como novo chefe de Estado, a ZANU-PF encontrou uma forma muito inteligente e brilhante de se legitimar no poder. Voltou a mostrar-se como a “única” força política capaz de alterar o status quo, da mesma forma que fez ao alcançar a independência.

Com este processo, chamado por muitos como a segunda libertação (chimurenga) do Zimbabwe, temos pessoas que são chamadas de “heróis” pelo seu protagonismo e abre espaço potencial para se desenvolverem muitas disputas de poder dentro da ZANU-PF e provável a sua fragmentação.

Fica, uma vez mais, evidenciado que tal como na África do Sul, em Angola, em Moçambique e no Zimbabwe, por enquanto, os reais protagonistas políticos capazes de operar mudanças, nem que sejam cosméticas apenas, são os “libertadores” das pátrias, porque, com todos os defeitos próprios de viventes, são relativamente mais organizados que os “outros”.

É por isto e mais algo que julgo serem festejos precipitados.

Talvez melhor esperar para ver o evoluir dos acontecimentos, porque os “golpistas” inclusivamente já avisaram que ninguém deve incomodar o velho Mugabe ou pensar em vinganças sobre aquele combatente pela liberdade da pátria do jugo do regime minoritário branco liderado pelo “tabaqueiroIan Douglas Smith.

REFINALDO CHILENGUE

Este artigo foi publicado em primeira mão na manhã do dia 24 de Novembro de 2017 na versão PDF do jornal Correio da manhã, na rubrica semanal TIKU 15!

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