As “boladas” nos cemitérios de Maputo e Matola

É de praxe quando alguém perde a vida familiares, amigos e simples conhecidos desejarem ao finado um “eterno descanso em paz”, mas, nos dias que correm, quem decide sepultar o seu familiar pelo menos nos cemitérios de Maputo-cidade e Matola, nada desse desejo é garantido, para além de que as exéquias são onerosas.

A “selvajaria” é tal que alguns dos que têm avôs e/ou pais nascidos fora de Maputo-cidade e Matola preferem, quando podem, levar os restos mortais dos seus familiares para enterro nas províncias de onde são oriundos os seus ancestrais, onde, seguramente, o repouso será eterno e em paz, e ainda mais sem custos.

Para além de ser sabido que os funerais de um simples cidadão em Maputo e Matola pouco de serenidade têm, estão envoltos em negociatas por e para quase tudo, desde o pingo de água até à forma como o corpo é depositado na putativa “última morada”.

O jornal Redactor seguiu alguns funerais, rondou por alguns cemitérios e testemunhou algumas negociatas que se executam em plenos cemitérios.

O Cemitério de Lhanguene, o mais preferido de Maputo, há anos que oficialmente é dado como superlotado e fechado para novos funerais, mas para as “excelências” e quem tem recursos suficientes para ir negociar, sempre se encontra espaço para mandar sepultar o seu ente-querido.

Ficámos a saber que, mesmo “cheio”, no Cemitério de Lhanguene, com um mínimo de 3700 Meticais e um máximo de sete mil Meticais, é possível “desenrascar” um espaço naquele local, seja por via de exumação de campas “abandonadas” ou se buscar “um cantinho algures”.

“É só trazer a documentação necessária que lhe levo até o boss [do cemitério]. Verá que com esse valor vai se encontrar um espaço … se você quiser pode colocar por cima desse valor a minha comissão, no momento do pagamento eu vou tirar a parte dele [o boss]”, palavras de um intermediário que vagueia aparentemente sem destino pelo cemitério, mas efectivamente a fazer o papel de verdadeiro dealer envolvendo cadáveres, que falou na condição de anonimato.

“É assim que a gente faz a vida e ajudamos os trabalhadores daqui do cemitério a reforçar os seus parcos e por vezes irregulares ordenados”, argumento o nosso interlocutor de ocasião.

A tabela de preços [clandestina, claro] varia de cemitério para cemitério, dos serviços prestados e da aparência da pessoa que solicita os préstimos dos trabalhadores das necrópoles e seus intermediários.

Para se “agilizar” um enterro, em média, cobram-se 300 Meticais nos cemitérios de Lhanguene, Bedene, na Machava e Michafutene (Marracuene), conforme testemunhamos nas nossas rondas.

Em Bedene, para um funcionário do cemitério assegurar a manutenção de uma campa são 250 Meticais por mês, a venda de cinco litros de água está a um mínimo de cinco Meticais e para ornamentar uma sepultura com recurso a cimento varia entre os 900 e 1500 Meticais.

No Cemitério de Lhanguene, a manutenção da campa está a uma média de mil Meticais/mês e a venda de água o preço é fixado mediante “avaliação a olho” do requerente, sendo que a conservação dos túmulos da chamada “zona executiva” deste sepulcrário é a mais cara.

Em Michafutene, a manutenção da campa varia entre os 200 e 400 Meticais por mês, a água não está a menos de cinco Meticais e a ornamentação da sepultura varia entre os mil e quinhentos Meticais e dois mil e quinhentos Meticais. O valor galopa quando tem de se envolver cimento.

Mas como em todos os negócios há sempre riscos a correr, nestes casos, principalmente no que tange à manutenção/reabilitação de campas, ocorrem burlas e não têm sido raros os casos de brigas por causa de funcionários dos cemitérios e intermediários desonestos que não se importam de burlar mesmo se tratando de negócios que envolvem cadáveres.

Ao jornal Redactor Ilda Sevene disse que justamente por causa dos custos e contornos que envolvem funerais em Maputo cidade e província ficou assente na família que qualquer um dos seus laços sanguíneos que sucumbir o enterro é e/ou será em Homoine, província de Inhambane, Sul de Moçambique.

“Lá o funeral tem a devida solenidade e os rituais sociais e tradicionais são escrupulosamente seguidos e respeitados. Quando alguém diz que vai ao enterro de alguém em Homoine não vai apenas assistir, vai participar, incluindo na abertura e tapamento do sepulcro, contrariamente ao que acontece aqui em Maputo”, argumentou.

Para Sevene, outra vantagem de sepultar um ente-querido “nas províncias” é que “lá ele tem o descanso eterno e não se paga nada, seja em cemitérios familiares ou comunitários”.

A tese de Ilda Sevene é secundada por Manuel Macuvele, de Chókwè, província de Gaza, que diz que na família dele todos os que perecem fora daquele território “impreterivelmente devem ser devolvidos para um funeral condigno lá na terra natal”.

“Nem que morra no estrangeiro, na África do Sul, por exemplo, tudo se faz para levar o corpo para Gaza. Afinal de contas de lá apenas saímos em busca de sustento e não se tratou de abandono da terra”, argumenta Macuvele.

STÉLVIO MARTINS

Este artigo foi publicado em primeira mão na edição em PDF do jornal Redactor do dia 01 de Novembro de 2023.

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