“Bocas de fumo” estimulam consumo de drogas
A proliferação das chamadas “bocas de fumo”, locais de venda e consumo de droga, um pouco por toda a cidade da Beira, centro de Moçambique, está a preocupar as autoridades, que tentam lidar com o problema com sensibilização e formação.
Só nas ultimas duas semanas, pelo menos dez pessoas foram detidas pela Polícia da República de Moçambique (PRM) na capital da província de Sofala, acusadas de consumo e venda de canábis sativa e heroína, maioritariamente provenientes dos países vizinhos Maláui e Tanzânia, e do Brasil, segundo as autoridades.
Nilsa Patrício, 22 anos, é consumidora e contou à Lusa que foi influenciada pelo ex-companheiro, há mais de três anos. Acabou por ser detida este mês por agentes do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) na posse de 21 pratas de heroína prestes a consumir.
“Saí de casa, fui até na baixa na zona de Madeira Zinco, fui comprar 21 pratas de heroína. Eu fumo, sei que lá vendem a toda a hora e comprei esta quantidade para fumar”, explicou a jovem, em declarações à Lusa, coberta apenas com uma capulana, sem esconder o receio, mas também o frio, após quase quatro dias detida nas celas da 5.ª esquadra da PRM.
“Não tenho uma boa explicação, porque na verdade eu estou perdida e já está errado (…) Estou arrependida por ter entrado neste mundo de droga”, desabafou.
Igualmente viciada, Mariana, de 26 anos, conta que não tem sido fácil parar de consumir, apesar das tentativas: “Quando deixo sinto-me mal, passo mal com dores, náuseas, frio. Estou a tremer porque desde terça-feira não consumo”, confessou a jovem, igualmente detida.
“Já tentei parar um tempo, mas quando eu perdi a minha filha continuei de novo. Aí na Madeira Zinco é o local onde compro sempre, aí se vende e não tem horas. Os nomes das pessoas que vendem eu não conheço, mas conhecia as pessoas, são muita gente que vende”, explicou.
Raimundo Tomas, de 28 anos, consome e vende droga nas ruas de Beira, nas já conhecidas “bolsas de fumo”. Começou pela influência dos amigos e não mais parou.
“Eu adquiri no Bairro de Macute, com um jovem. Levo para consumir aqui na minha zona e o resto é que eu vendo para uns amigos. Nem sempre tenho clientes fixos, porque não é minha actividade de sempre. Já faço isso há uns dois anos”, comentou, sem receios.
Moçambique tornou-se numa das principais plataformas do tráfico internacional de droga, nomeadamente proveniente do continente americano, o que levou as autoridades nacionais a formar, na cidade da Beira, agentes policiais e alfandegários que trabalham nos terminais rodoviários, ferroviários e aeroportuários.
Os agentes passaram a revisitar conteúdos de matérias ligadas à prevenção e combate a tráfico de droga, para identificação eficaz de quem a transporta. Nos últimos 12 meses foram incineradas em Sofala cerca de uma tonelada e meia de várias drogas apreendidas em diversos locais.
Alfeu Sitoe, porta-voz do SERNIC em Sofala, explicou que todas as iniciativas em curso decorrem sob coordenação daquela força policial, mas envolvendo também os setores da Educação, órgãos da Administração da Justiça, Autoridade Tributária, Migração, igrejas e mesmo as famílias de jovens e adolescentes.
De resto, a própria força policial de investigação criminal está consciente das zonas da cidade conhecidas dos traficantes, inclusive com a presença da atividade numa rede considerada empresarial e com revendedores de droga até com contratos.
“Aquele local onde há essas atividades de venda e consumo de droga pertence a uma entidade que tem a responsabilidade de tirar aquela gente que está aí”, admitiu Alfeu Sitoe.
“Acreditamos que estão aí ilegalmente, não fazem parte do vínculo contratual com esta empresa proprietária daquele lugar, então pode usar-se esta empresa ou esta empresa pode tomar a iniciativa e não só esperar que haja um combate como tal”, apelou, sobre um local considerado “chamativo e convidativo” para aquelas actividades, em pleno Bairro do Pioneiro, outro ponto onde se multiplicam as “bocas de fumo” na cidade da Beira.
Alfeu Sitoe avançou que no ano passado, numa operação, foram apreendidos no interior de uma viatura de transporte de passageiros quantidades consideradas industriais de canábis sativa, vulgarmente conhecida por ‘canábis swazi gold’, tendo sido detido o cobrador e o motorista por conivência com o crime de tráfico de droga.
“Uma empresa de transporte público no seu terminal, fomos lá e já tínhamos informação que aquele autocarro trazia algumas quantidades e conseguimos apreender. E era essa ‘canábis suazi gold’ e nessa apreensão o cobrador ficou responsabilizado porque ele é que recebeu a encomenda, sabia o que é e sabia a quem havia de entregar”, rematou.
O porta-voz do gabinete de combate à droga na província de Sofala, António Semente, explicou à Lusa que para travar a circulação da canábis sativa, cocaína e heroína, as drogas mais apreendidas pela polícia, decorre na cidade da Beira a formação de agentes que trabalham nas áreas tidas como centro de trânsito e comercialização destes produtos.
“Temos que chamar atenção a nós todos, que somos os pais, que somos encarregado de educação, para podermos ajudar os nossos filhos que consumir a canábis não faz bem ao indivíduo”, concluiu.
LUSA & Redactor