Conselho Constitucional deve anular ou ordenar recontagem de votos

As decisões do Conselho Constitucional devem traduzir-se na materialização do Estado de Direito Democrático e na realização da Paz Social

  • Com efeito, o CC deve ordenar a recontagem de votos das mesas onde as irregularidades tiveram lugar e a nulidade da votação em qualquer mesa da assembleia de voto onde se tenha verificado ilegalidades que influenciam o resultado geral da eleição;
  • Dada a natureza dos ilícitos eleitorais cometidos nas sextas eleições autárquicas, o Ministério Público deve tomar medidas para a responsabilização dos autores materiais e morais destes actos contra a democracia.

Mais de vinte dias depois de Moçambique ter realizado as Sextas Eleições Autárquicas, o país continua a viver um ambiente de tensão e de incerteza devido às diversas irregularidades que colocaram em causa a transparência, a integridade e, consequentemente, a credibilidade do processo  e das instituições que o gerem. Neste momento em que a sociedade aguarda pelo veredicto final do Conselho Constitucional (CC), incluindo deliberações sobre vários recursos, o Consórcio Eleitoral Mais Integridade exorta este órgão de soberania e voz suprema e última sobre a validade dos processos eleitorais, a assegurar que as suas decisões traduzam-se na materialização do Estado de Direito Democrático e na realização da Paz Social.

Através de posicionamentos tempestivos e claros, o Consórcio Eleitoral Mais Integridade notou, com particular preocupação, as diversas irregularidades que caracterizaram as eleições realizadas no dia 11 de Outubro de 2023, que incluem uma enormidade de episódios que consubstanciam irregularidades eleitorais e ilícitos eleitorais, entre eles o enchimento de urnas, uso do voto especial para efectuar votos múltiplos, discrepâncias entre os resultados da contagem e os dados dos editais das mesas, desconformidade entre cópias dos editais originais distribuídos nas mesas das assembleias de voto e editais usados no apuramento intermédio em várias comissões distritais ou de cidade e  a quase generalizada obstrução à observação eleitoral independente e à fiscalização pelos delegados de candidaturas.

Ainda que os resultados da centralização nacional e do apuramento geral dos resultados das eleições (controversos, diga-se, no mínimo), tenham sido já publicados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), é importante notar que o processo eleitoral de 2023 só terminará com a validação e proclamação dos resultados  pelo Conselho Constitucional que, antes, deverá decidir todos os recursos interpostos, cujo número este ano reflecte o mais amplo uso do exercício do recurso contencioso eleitoral na história eleitoral de Moçambique.

Os tribunais distritais tiveram, pela primeira vez na história eleitoral de Moçambique, a coragem de tomar um número de decisões desfavoráveis aos órgãos eleitorais e foram muito críticos à postura dos seus agentes. Isto resultou na decisão de anular um número expressivo de actos e procedimentos de votação, apuramento parcial de votos nas mesas das assembleias de voto e de apuramento intermédio realizado nas comissões distritais de eleições.

O Consórcio Eleitoral Mais Integridade não pode deixar de manifestar o seu apreço pela atitude vibrante de alguns tribunais judiciais de distrito ou de cidade em trazer a verdade e a justiça eleitoral, da mesma forma que expressa reconhecimento aos concorrentes que demonstraram um crescimento notável no exercício dos mecanismos formais de contestação e recurso, trazendo, ao de cima, as más práticas dos órgãos eleitorais que permaneciam incólumes, desvirtuando os resultados eleitorais em cada eleição.

Entretanto, o Consórcio Eleitoral Mais Integridade, que prossegue com o acompanhamento dos actos e procedimentos do processo eleitoral ainda em curso, incluindo a conclusão de todos os recursos de contencioso eleitoral, exorta o Conselho Constitucional a tomar decisões referentes às irregularidades eleitorais amplamente reportadas, especialmente na fase de apuramento parcial nas mesas das assembleias de voto e de apuramento intermédio nas comissões distritais de eleições, que reponham a verdade dos factos, a vontade popular expressa nas urnas e a integridade eleitoral e traduzam-se na materialização do Estado de Direito Democrático e na realização da Paz Social.

Concretamente, exortamos o CC a ordenar a recontagem de votos ou decidir a nulidade da votação em relação às mesas de assembleia de voto onde se tenha verificado irregularidades ou ilegalidades que influenciem, substantivamente, o resultado da eleição, seja do presidente do conselho autárquico ou da assembleia autárquica. No entender do Consórcio, esta é que deve ser a principal função do Conselho Constitucional: assegurar que as eleições no país não continuem a decorrer em clima de desconfiança e crispação, com incertezas derivadas da ausência da verdade eleitoral em virtude da actuação dos órgãos eleitorais, já de si descredibilizada. Quaisquer decisões que não respondam o âmago das irregularidades detectadas nestas eleições, e que foram largamente reportadas e envidenciadas, têm o risco de descrebilizar ainda mais o processo eleitoral e os órgãos envolvidos na sua gestão e o próprio CC, além de ameaçarem a paz, a estabilidade e o futuro democrático do país.

Diferentemente da postura pouco íntegra dos órgãos eleitorais, particularmente da CNE, cujas decisões demonstraram a defesa do interesse particular acima do interesse público e da lei, o CC deve enviar uma mensagem clara de que não pactua e nem tolera as graves irregularidades registadas nas eleições deste ano. O CC não deve coibir-se de tomar decisões apropriadas para cada situação, ainda que arrojadas e possam ferir certos interesses partidários. Este órgão de soberania, dirigido pela primeira vez por uma mulher, de reconhecido currículo, argúcia legal e competência, tem, pois, a oportunidade de escrever mais um capítulo da sua história com letras douradas, mostrando-se como o último pilar da salvaguarda do nosso Estado de Direito Democrático.

Pela natureza dos ilícitos eleitorais cometidos nas sextas eleições autárquicas, e porque a acção penal é pública, o Consórcio Eleitoral Mais Integridade exorta o Ministério Público por sua iniciativa ou por denúncia de qualquer cidadão eleitor, tomar as devidas medidas para a responsabilização dos autores materiais e morais destes actos contra o Estado de Direito Democrático. Ainda ao Ministério Público, exige-se que desencadeie acção penal contra os autores dos “ordens superiores” que levaram a baleamentos fatais em virtude do uso de balas reais pela Polícia contra os cidadãos indefesos que contestam a manipulação dos resultados eleitorais, bem como as detenções de delegados de candidaturas que consubstanciam prática de ilícitos criminais.

MAIS INTEGRIDADE

O Consórcio Eleitoral Mais Integridade está a observar, em todo o país, o processo eleitoral 2023, desde o recenseamento eleitoral, passando pela campanha eleitoral, votação e apuramento intermédio dos resultados, até à promulgação e divulgação dos resultados finais pelo Conselho Constitucional. Constituído em 2022, o Consórcio Eleitoral “Mais Integridade” tem como objectivo contribuir para a transparência e integridade do ciclo eleitoral 2023-2024, avaliando, de forma objectiva e isenta, o seu desenrolar, produzindo informação e análise públicas e credíveis sobre as várias fases do processo, incentivando o nível e a qualidade de participação dos cidadãos e contribuindo para a redução das tensões eleitorais. É composto pela Comissão Episcopal de Justiça e Paz (CEJP) da Igreja Católica, Centro de Integridade Pública (CIP), Núcleo das Associações Femininas da Zambézia (NAFEZA), Solidariedade Moçambique (SoldMoz), Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), Capítulo Moçambicano do Instituto para Comunicação Social da África Austral (MISA Moçambique) e Fórum das Associações Moçambicanas de Pessoas com Deficiência (FAMOD).

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