Das poucas vezes que respirei
Não há dúvidas que aqui quem vive é quem tem posses. Quem aqui trabalha é quem tem padrinhos. Tudo aqui carece de uma mão amiga. Quem deve ser bem atendido nas instituições do Estado é quem tem amigos ou parentes lá, fora disso, é um peixe fora da água.
Das poucas vezes que respirei. Esta é uma frase que me lembra de uma das tantas vezes que permaneci na fila do hospital das 6h00 para ser atendido às 14h00. Não é que o trabalho havia parado. Entravam primeiro os conhecidos; de seguida, os que davam “refresco” e, por fim, os zé-ninguém.
Você morre vendo. Mesmo ouvindo-lhe a gemer nas bordas da porta do consultório não faz diferença. E nem ouse tentar gritar de dor, é aí que aumentará a sua sentença de mau atendimento. Foi numa quarta-feira de alguns anos idos que um amigo do meu irmão, tendo me visto a gotejar suor na fila, chamou-me.
— Estás aqui desde a que horas? — e já era quase meio-dia.
Respondi-lhe que tinha chegado às 6h00 da manhã. Tinha chegado cedo para garantir que seria uma das primeiras pessoas a ser atendida. Como são usadas senhas, as primeiras são guardadas por pessoas que fecham “boladas” e os desconhecidos compram números altos. Um desconhecido não se importa em chegar cedo ou tarde, o tratamento é o mesmo.
Quando o amigo do meu irmão me abordou, pensei comigo: Deus existe, agora serei atendido. Onde?!
Das poucas vezes que respirei é um acto de lamentação e desgosto pela forma como o ser humano é tratado no local onde se diz que a prioridade é a saúde, o maior valor é a vida, o escopo é a pessoa humana. Tudo isso é apenas falácia, a realidade é outra e as intenções são outras.
O nosso pedido é que os vendedores de senhas passem por um curso de reciclagem em matéria de relações humanas. Saberem que as pessoas são iguais, independentemente do seu status quo. Morrer nas mãos de enfermeiro ou médico devia ser um pesadelo para esse profissional, visto que salvar vidas é o primeiro passo nessa área.
Mortes duvidosas deviam ser investigadas, isso para que coisas do género não aconteçam com frequência e os profissionais não tenham de ostentar a impunidade. O Estado deve adoptar mecanismos mais contundentes para preservar a vida e saúde dos seus concidadãos.
Portanto, ter medo de ir ao hospital agora virou moda. Poucas são as pessoas que se identificam com os serviços prestados. Muitas preferem morrer nas suas casas sem ajuda nenhuma de um profissional. A minha mãe é hipertensa e tem sido um problema para convencê-la a ir ao hospital. Medo ou desconfiança do tratamento? Só ela sabe!
Em pleno século XXI, ninguém devia ter medo de procurar um hospital. Havendo isso, há que se reformular as políticas públicas em benefício da sociedade e dos cidadãos. Os hospitais são para o povo. Os profissionais da saúde são para prestar serviços ao povo. O povo é chamado a exigir os seus direitos. Com direitos beliscados a vida não tem sentido.
JÚNIOR RAFAEL OPUHA KHONLEKELA
Este artigo foi publicado intitulado “Solidariedade social” foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Redactor, na sua edição de 29 de Janeiro de 2024, na rubrica OPINIÃO.
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