Escultores de Nampula apontam os grandes empecilhos

Há um selo de certificação de obras de arte nacional que seria passado pelo Governo aos escultores, mas tudo não passou de promessa. A esta “peta” veio juntar-se a covid-19, que quase se constituiu em “machadada final” para quem sobrevive esculpindo na chamada capital do Norte de Moçambique – Nampula.

A questão do “selo” é matéria que há aproximadamente cinco anos reportámos neste jornal, justamente a partir de Nampula, mas de lá a esta parte praticamente nada mudou e já há quem desaconselha quem ainda pense em ingressar nestas lides.

Os escultores de Nampula, com fama firmada pelo seu talento como de muitos criativos culturais do Norte de Moçambique, dizem estar a trabalhar praticamente para nada porque os potenciais clientes, na sua maioria turistas estrangeiros, alegam enfrentar dificuldades para transpor as fronteiras com as belas esculturas adquiridas em Nampula.

Os turistas dizem que, em algum momento, é-lhes cobrado o triplo do valor da aquisição para poderem levar as obras de arte para fora de Moçambique.

“Aprendi a arte de esculpir aqui no Museu Nacional de Etnografia, com o meu pai. Na altura, o negócio era rentável. Aliás, o meu pai fazia questão de exigir a minha presença aqui mal saísse da escola”, recorda John Daniel (foto de destaque), de 52 anos de idade, filho de um dos fundadores da associação que ali funciona.

Hoje, com 40 anos como escultor e trabalhando no local onde com o pai aprendeu a arte de esculpir, John Daniel lembrou que cresceu com pão à mesa, conseguido do trabalho da arte, mas agora não se pode olhar para esta actividade com o mesmo entusiasmo porque “as coisas ficaram muito complicadas”, daí que jura não ter motivos muito menos coragem de convidar o filho a abraçar esta carreira.

“Estamos a tentar fazer reformas na nossa própria galeria para dar algum brilho, mas não conseguimos por falta dos valores”, acrescentou, atirando a culpa ao Governo porque, repete, “não dá o menor valor aos artistas”.

“O Governo esqueceu-se de nós. Em  vários debates que já participei falavam de música, da escultura dificilmente tocavam, só se recordam de nós em datas festivas”, lamenta John Daniel.

Alfândegas fazem “cobranças absurdas”

“A covid-19 veio piorar o cenário e, mesmo após a retoma, os clientes sentem-se retraídos a comprar as nossas obras de arte porque sabem, alguns por experiência de terceiros, outros por terem passado por esses embaraços, de cobranças de “taxas absurdas” pelas autoridades tributárias junto das fronteiras.

“Os poucos turistas aparecem raramente e os que nos visitam apenas contemplam as nossas obras e fazem comentários de experiências de triste memória principalmente nos aeroportos”, prosseguiu a nossa fonte.

Os pontapés da vida remataram Armando Cristóvão, hoje com 55 anos de idade, natural da cidade de Nampula, a abraçar a arte de esculpir já lá vão longos 29 anos de carreira.

“Aprendi o serviço e abracei esta arte que é hoje única fonte de sustento para mim e a minha família, sob inspiração dos meus tios, já falecidos”, lembra, nostálgico, Armando Cristóvão.

Hoje, Cristóvão diz que com as dificuldades múltiplas que caracterizam o sector “já nem temos preços estabelecidos. Vendemos em função dos interessados”, lamenta.

“O Instituto Nacional das Indústrias Culturais e Criativas devia implementar o uso de selo para cada obra nas galerias”, sugere Armando Cristóvão.

Aliás, em gesto de conclusão, os entrevistados pedem a libertação das peças dos turistas, para que possam levar aos seus países, um gesto visto como o impulso à divulgação “da nossa arte”.

ELINA ECIATE, correspondente em Nampula (texto e fotos)

Este artigo foi publicado em primeira mão na edição em PDF do jornal Redactor do dia 30 de Novembro de 2023.

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