Evidências científicas devem se sobrepor à ignorância
A edição 2023 do Fórum Global sobre Tabaco e Nicotina (GTNF, na sigla em inglês), o maior fórum anual do mundo que discute o futuro das indústrias de tabaco e nicotina, foi uma espécie de “a luta continua”, usando uma frase célebre no contexto moçambicano. Não foi para menos. Durante três dias, cientistas e especialistas de diversos países voltaram a defender, numa só voz, a necessidade de as políticas sobre a redução de danos de tabaco se basearem em evidências científicas, salvando a humanidade da ignorância que consideram estar a custar anualmente milhões de vidas em todo o mundo.
O evento, que decorreu de 19 a 21 de Setembro em Seul, Coreia do Sul, abordou a questão dos desafios com que se confronta a luta com vista à redução dos danos causados pelo consumo do tabaco. “Mude a conversa. Mude o resultado”, foi o lema do evento que juntou centenas de figuras interessadas na matéria e ligadas ao sector, incluindo empresas, cientistas e especialistas em várias áreas.
O ponto central era discutir tendências e desafios para o sector, e ao mesmo tempo partilhar ideias sobre melhores práticas.
Um dos painéis dedicou-se, exclusivamente, à ciência como base para informar a transição em curso da queima do tabaco para formas de risco reduzido. Com o tema “Reforçando a Pesquisa Científica”, o painel juntou diversos especialistas que convergiram na necessidade de a ciência se sobrepor à ignorância.
Intervindo na referida sessão, Mark Littlewood, director geral do Instituto de Assuntos Económicos, que moderou o debate, afirmou que a pesquisa decente é complicada, qualificada e cheia de nuances. Mas também observou que uma pesquisa é aberta e quase nunca sem fim, para depois referir que, em relação à redução dos danos do tabaco, existem políticas baseadas em evidências, ou evidências baseadas em políticas.
Mas um dos que vieram separar as águas foi o pesquisador sénior na Escola de Saúde Pública da Universidade de West Attica, Grécia, Konstantinos Farsalinos, para quem, embora seja inerente à ciência e ao progresso humano, a incerteza está a ser usada e abusada no caso da redução dos danos do tabaco. Ao que explicou, as decisões sobre a redução dos danos do tabaco baseiam-se frequentemente na ignorância e não no conhecimento científico.
Em termos de como a investigação é comunicada e reforçada, Farsalinos observou que a indústria tem muitos dados, mas não os tem implementado com sucesso na tomada de decisões. Argumentou ainda ser importante garantir que esses dados sejam replicáveis, dado que no seu entender, a mentalidade fechada entre os cientistas é um grande problema, pelo que é importante atingir todos na comunicação dos resultados dos seus estudos.
Marewa Glover, directora do Centro de Excelência em Pesquisa sobre Soberania Indígena e Tabagismo, na Nova Zelândia, observou que tanto os que são a favor como os que são contra a redução dos danos do tabaco acreditam que as evidências científicas devem orientar as políticas. De acordo com a especialista, alguns dos que são antitabaco na redução de danos estão a manipular as ferramentas da ciência para impulsionar uma agenda tendenciosa. Por isso, defende Glover, os cientistas devem demonstrar a robustez da sua investigação nos seus artigos, para que os analistas políticos possam apreciar a sua importância. Defende, ainda, a importância de projectos de investigação terem estratégias de comunicação implementadas de modo a permitir que os seus resultados sejam eficazmente partilhados pelas partes interessadas.
Por sua vez, o professor titular de medicina interna da Universidade de Catânia e fundador do Centro de Excelência para a Aceleração da Redução de Danos na Itália, Riccardo Polosa, enfatizou que a pesquisa deve ser replicável, acrescentando que a ciência é clara ao afirmar que os cigarros são significativamente mais prejudiciais do que as alternativas, mas que os cientistas precisam de passar da análise do risco relativo dos produtos da nova geração para o seu risco absoluto. Assim, a indústria estaria em melhor posição para convencer o público, os reguladores e os governos, defendeu.
Kai-Jen Chuang, professor no Departamento de Saúde Pública da Universidade Médica de Taipei, Taiwan, defendeu a necessidade de se quebrar a divisão entre a saúde pública e a indústria. Explicou que conceitos como a redução dos danos do tabaco não são comuns em todos os países. Para ajudar nesta questão, disse que os investigadores nesta área precisam de ir a conferências de saúde pública para apresentarem seus estudos sobre a redução dos danos do tabaco, bem como obter a tradução dos seus artigos para outras línguas. Chuang identificou que o primeiro passo para reforçar a investigação científica é comunicar com os académicos e educá-los sobre a investigação, e que o próximo passo é comunicar-se com os políticos.
Perspectivas sobre regulamentação
Porque a regulamentação é um dos pontos críticos na luta contra a redução de danos associados ao consumo do tabaco, com vários países a adoptarem medidas que pouco contribuem para o sucesso desta luta, o GTNF 2023 não podia passar à margem do tema. Por isso, dedicou um dos painéis exactamente para debater “Regulamentação: Perspectivas Internacionais”.
Com a moderação de David Bertram, um especialista em matéria de redução de danos relacionados com o consumo do tabaco, o painel fez uma abordagem sobre pontos críticos da indústria, entre os quais a rigidez na regulamentação em torno dos produtos de redução de risco.
Vários intervenientes apresentaram a sua visão sobre a situação regulatória nos seus respectivos países. Dave Dobbins, antigo director de operações da American Legacy Foundation/Truth Initiative, uma organização americana de luta contra o tabagismo, criticou a actual abordagem da Agência Americana para a Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA), indicando que o organismo poderia, por exemplo, criar um mercado mais eficaz para lidar com a vaporização juvenil.
Dobbins acredita que é necessária uma limpeza no sector, para permitir apenas produtos de fabricantes regulamentados, ao mesmo tempo que defende um mercado regulamentado forte, uma vez que a fiscalização, por si só não funciona.
Marina Foltea, especialista em Direito Comercial Internacional, fundadora e directora da consultora administrativa Trade Pacts, referiu-se a situações complexas da abordagem da União Europeia (UE) em relação ao tabaco e à nicotina. Na UE, assinalou, os cigarros têm medidas muito restritivas, quando muitos países, em todo o mundo, procuram, na UE, um modelo.
Kezia Purick, membro da Assembleia Legislativa do Território do Norte para Goyder, Austrália, observou que a abordagem dos decisores políticos australianos à vaporização (uso de cigarros eletrónicos) se concentra, principalmente, na questão da saúde. Sublinhou que o contexto regulamentar australiano provém, historicamente, de uma situação de regulamentação rigorosa, sendo o álcool e o tabaco frequentemente os primeiros a sofrerem tributação mais elevada quando o Governo pretende aumentar as receitas.
Mas do Reino Unido, Adam Afriyie, um membro do Parlamento pelo círculo de Windsor, partilhou uma perspectiva positiva da actual abordagem do seu país no tocante ao consumo do cigarro electrónico. Referindo-se a algumas razões pelas quais a vaporização está a funcionar no seu país, Adam Afriyie disse que o Reino Unido opera com base no princípio da redução de danos em vez do princípio da precaução.
Enfatizou ser importante que o perfeito não seja inimigo do bom. Na sua intervenção, Adam Afriyie reiterou que os vaporizadores são tratados como produtos de consumo e não, necessariamente, como médicos, o que significa que eles passam pelo processo regulatório correcto e completo. Por outro lado, destacou, os órgãos públicos são capacitados para educar e divulgar informações baseadas em evidências, facto que contribui para que a informação chegue adequadamente ao consumidor.
Quem também integrou o painel sobre as Perspectivas Internacionais de Regulamentação foi Ming Deng, chefe da Unidade de Estudo da Indústria de NGPs, da Universidade de Yunnan, na China. NGPs é a sigla inglesa para designar Produtos de Tabaco e Nicotina de Próxima Geração. Trata-se de produtos com grande potencial para reduzir os riscos associados ao tabagismo. Na indústria, os NGPs, que incluem produtos a vapor, como cigarros electrónicos, produtos de aquecimento de tabaco e produtos de nicotina licenciados como medicamentos, são considerados como aqueles que fornecem aos consumidores uma escolha de alternativas potencialmente menos arriscadas.
Na sua intervenção, Ming Deng destacou que, nos últimos 20 anos, a indústria do tabaco e da nicotina foi extraordinariamente dinâmica em comparação com os séculos anteriores, o que, segundo ele, se deve, principalmente, à inovação na indústria.
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