Mugabe desgraçado por Grace
Mugabe – Os ventos da tempestade da primavera árabe que derrubaram Muammar Khaddafi, na Líbia, e Hosni Mubarak, no Egipto, chegaram ao Zimbabwe.
Os vários avisos foram desprezados pelo orgulho de triunfalismo na luta de libertação contra a dominação do regime minoritário branco de Ian Douglas Smith que proclamara a independência unilateral da então Rodésia do Sul em 1965 contra a vontade da Sua Majestade, em Londres.
O mês de Novembro de 2017 vai constar da história do Zimbabwe como sendo da primeira chimurenga – primeira guerra revolucionaria – contra o herói da luta de libertação da dominação branca, Robert Gabriel Mugabe, professor com sete diplomas académicos obtidos nas universidades Fort Hare e UNISA, da África do Sul e de Londres, Reino Unido.
O professor e guerrilheiro proclamado herói da independência nacional celebrada em Abril de 1980 foi traído pela esposa Grace de segundas núpcias, 41 anos mais jovem.
Usando o privilégio da partilha de intimidade no quarto com o chefe do estado, Grace desencadeou uma campanha de destruição de membros seniores do partido libertador ZANU-Frente Patriótica com ambições de assumir o poder depois do idoso marido de 93 anos de idade que ainda afirmava pretender concorrer para mais um mandato de cinco anos nas eleições de 2018.
Várias personalidades da ZANU-FP foram expurgadas do partido. No entanto, a expulsão do veterano guerrilheiro Emerson Mnangagwa do partido alguns dias depois da sua exoneração do cargo de primeiro vice-presidente da República precipitou a tempestade da primavera árabe no Zimbabwe.
Mnangagwa, antigo colega de trincheira de Robert Mugabe na cadeia e na luta de libertação, fugiu do país para África do Sul via Beira, em Moçambique, deixando um recado escrito acusando o seu ex-camarada de transformar o país numa propriedade pessoal gerida pela esposa ambiciosa de poder.
Os militares, liderados pelo chefe das forças armadas, general Constantino Chiwenga, saíram dos quartéis com tanques de guerra e colocaram o casal Mugabe sob detenção domiciliária. Três ministros, incluindo o das Finanças, e alguns membros do grupo da confiança da primeira dama foram detidos.
Os militares disseram que a sua operação visava criminosos que circundam o presidente Robert Mugabe e ligados à primeira dama, Grace Mugabe.
Os membros da ZANU-FP e as massas sentiram-se libertados do jugo do casal Mugabe e celebraram nas ruas a vitória da primeira chamurenga contra o herói libertador do país, traído pela esposa que tinha 15 anos de idade quando o Zimbabwe celebrou a sua verdadeira independência em Abril de 1980, após vários anos de luta armada que derramou sangue.
O Comité Central da ZANU-FP anulou todas as expulsões arbitrárias dos membros seniores do partido, destituiu Robert Gabriel Mugabe do cargo de Presidente e Primeiro Secretário do movimento libertador – Frente Patriótica, deu lhe prazo de 24 horas para deixar a chefia do Estado que assumia há 37 anos.
Emerson Mnangagwa, 75 anos de idade, que deverá regressar esta quarta-feira do efémero exílio forçado, foi eleito presidente interino do partido, aguardando deliberação final do congresso extraordinário convocado para 12 a 17 de Dezembro próximo.
A (já antiga) primeira dama, Grace Mugabe, foi expulsa do partido e exonerada da liderança da liga feminina da ZANU-FP acusada de promover ódio e divisão entre os membros do partido na sociedade. O veterano guerrilheiro, professor e político fez ouvido de mercador dos avisos do seu partido.
Mugabe acabou resignando do cargo, “voluntariamente” – segundo o marcata dirigida ao partido esta terça-feira e seguidamente celebrada por milhares e milhares de pessoas nas ruas no Zimbabwe e noutros países onde residem zimbabweanos.
Momentos antes da divulgação da carta de Mugabe , o partido disse que tinha instruído os ministros para não participarem na sessão do governo e anunciado o início do processo da destituição de Robert Mugabe no Parlamento, uma humilhação do herói libertador da terra de Mwenemutapa.
Com forte apoio político e militar do governo de Samora Machel, Robert Mugabe chegou ao poder a partir de Moçambique e mudou a Rodésia do Sul, de Ian Douglas Smith para Zimbabwe, com orgulho e aceitação popular.
Os primeiros 10 anos de governação de Robert Mugabe foram gloriosamente de ouro. O Zimbabwe foi considerado o celeiro da região numa altura em que a África do Sul industrializada estava em chamas por causa da luta contra o regime minoritário racista branco do apartheid. Mugabe introduziu educação ou ensino e saúde gratuitos para o povo libertado.
Em Maputo, Samora Machel foi questionado por jornalistas ocidentais se não teria sido melhor se Moçambique tivesse seguido o ‘bom exemplo’ do Zimbabwe em relação às nacionalizações da terra e dos prédios de rendimento dos antigos colonos. Para alguns sectores ocidentais, a chamada guerra pela democracia movida pela Renamo que destruiu o país fora causada por nacionalizações da terra e dos prédios de rendimento dos antigos colonos sem indemnização.
Samora disse que não faria sentido lutar 500 anos pela terra e depois da vitória deixar a mesma nas mãos dos ex-colonos.
Vinte anos depois da independência, o menino bonito do Ocidente considerado líder mais diplomado de África virou inimigo com a introdução da reforma agraria que consistiu na usurpação de terras dos agricultores brancos sem compensação, depois do fracasso das promessas de Londres de financiar o programa da aquisição das terras para a maioria negra.
Para muitos zimbabueanos, a reforma era necessária, mas no meio apareceu um elemento estranho – violência gratuita contra agricultores brancos por antigos combatentes.
Em Harare, Mugabe proferia discursos anti-ocidente ganhando popularidade entre pan-africanos e aterrorizava os seus oponentes políticos reactivando cicatrizes de massacres de mais de 20 mil pessoas na região de Matabelend ocorridos na década de 1980. O herói libertador que selara acordo de paz com o seu adversário político Ndebele, Joshua Nkomo, transformou-se num tirano esmagando tudo e todos que fosse adversário. A economia considerada celeiro da região caiu vertiginosamente e com a inflação a disparar para milhares de milhões de percentagens.
Há cerca de 10 anos, o pais abandonou a sua própria moeda nacional o dólar zimbabueano e introduziu o rande, dólar norte-americano e o euro, da União Europeia para transações comerciais domesticas para conter a hiperinflação. Dezenas de milhares de zimbabueanos qualificados com o ensino gratuito dos primeiros anos da independência ficaram desempregados outros abandonaram o pais para o estrangeiro à procura de melhores condições de vida e de segurança porque adversários políticos e críticos passaram a ser considerados inimigos do estado e do governo.
O legado libertador de Robert Mugabe estava em queda vertiginosa. Obcecado pelo poder, o idoso presidente cercado pela esposa da idade de seus netos e um punhado de criminosos, segundo os militares, foi destruindo o seu castelo libertador com arrogância. Esta semana, Robert Gabriel Mugabe passa a ser um herói desgraçado por Grace.
Mugabe teve o seu primeiro casamento em 1961 com uma mulher do Ghana de nome Sally Hayfron, quando dava aulas num centro de formação naquele primeiro país africano a ganhar a independência em 1957. Tiveram um único filho que morreu três anos depois, vítima de malária e a esposa nunca mais concebeu até perder a vida por complicações renais.
Mugabe casou-se com a sua secretária dactilógrafa Grace, que nasceu em Benon, leste de Joanesburgo, filha de pais imigrantes.
Há cerca de três meses Grace protagonizou um incidente na África do Sul quando se envolveu em pancadarias com jovem modelo sul-africana de nome Gabriela Engels num quarto de Hotel. A jovem modelo estava com os filhos da primeira dama.
O assunto está em tribunal. Em Harare, Grace desgraçou com ambição de poder um líder e herói da luta de libertação.
THANGANI WA TIYANI, CORRESPONDENTE NA ÁFRICA DO SUL