Nativos de Chipanga seduzidos e abandonados

Nativos de Chipanga, na região carbonífera de Moatize, na província central moçambicana de Tete, dizem terem sido seduzidos e abandonados pela Vale e hoje usados para propaganda enganosa por parte da companhia brasileira e da sua sucessora, a indiana Vulcan.

Ante o coro de denúncias, a Vulcan esquivou-se de todos os esforços do jornal Redactor para emitir a sua versão, tanto em Moatize como na sua sede em Maputo, sobre o calvário das pessoas que foram deixadas no bairro 25 de Setembro [perto da vila] e na comunidade Cateme, que dista a 37 Km da vila de Moatize.

A agravar o quadro, parte das cerca de 500 famílias movimentadas de Chipanga em 2010 no âmbito da implementação do projecto de exploração de carvão mineral de Moatize dizem que o cumprimento da lei sobre os famosos 2.75% da lei de exploração mineira [Artigo 20, N.° 1 e 2 de 2014] em zona de actividade de extracção dos recursos minerais é simplesmente uma miragem.

Na lista das reclamações apresentadas ao Redactor destaque vai ainda para as infra-estruturas providenciadas pela Vale bem como as condições criadas para a sua subsistência, após a sua transferência da sua zona de origem para Cateme.

O Governo provincial não escapa das críticas dos habitantes de Cateme, por “nada fazer” para os acudir, quadro que piora por alegadas sevícias e extorsões protagonizadas por agentes da lei & ordem quando buscam meios alternativos para subsistir honestamente.

Aparentando um elevado grau de domínio do que se passa à sua volta, dizem que a mineradora que no seu último ano de operações facturou mais de um bilião de dólares norte-americanos e que no ano seguinte vendeu as suas acções por 260 000 000.00 USD (duzentos e sessenta milhões de dólares norte-americanos) à Vulcan tem ignorado as suas reclamações.

“Da última vez que saímos para manifestar o nosso desagrado, levámos porrada e fomos fulminados com gás lacrimogéneo e na confusão houve feridos. Sempre que tentamos falar com o governador este nos ignora … já estamos cansados de meter cartas”, lamentou um dos afectados, pai de doze filhos, que pediu para não ser identificado, alegadamente para não sofrer represálias.

Referem que nem as promessas de atribuição de novos campos agrícolas para a sua subsistência foram cumpridas, afirmando que “quem se dá por sortudo recebeu pequena porção de terra, alegadamente, para cultivo, o que na verdade é impraticável, porque situada em cima de pedras”.

Outra promessa que dizem que não passou disso mesmo foi a de disponibilização periódica de kits de mantimentos, por “pelo menos 10 anos” para ajudar no seu restabelecimento, coisa que, dizem, “só aconteceu por um ano”.

De lá a esta parte, prosseguem, este kit já não chega aos reais destinatários. “Termina na ‘fazenda’” ─ instituição estatal que é responsável por gerir a distribuição dos mesmos.

“Da última vez trouxeram bicicletas, o camião só veio dar uma volta aqui e de seguida saiu com todas as bicicletas, não sabemos para onde”, lamentou um grupo de “reassentados” que falou em exclusivo para o Redactor em Moatize.

O acesso ao emprego para os “filhos da terra” também consta nas promessas da Vale aos nativos de Chipanga, o que quase não acontece. “Os nossos filhos não são levados a trabalhar na Vale e agora nem na Vulcan. Quando chegaram disseram que beneficiaríamos do empreendimento, por via do emprego dos nossos filhos. Tenho aqui o meu filho que já vai fazer 40 anos e não tem emprego. Ele já tem uma esposa e filhos, como é que é suposto sobreviverem”?

Alguns dos afectados tinham como fonte de rendimentos de sobrevivência a actividade de olaria, empreendimentos onde “foram mortos” com a implementação da actividade.

Outra velha inquietação dos actuais residentes da comunidade rural de Cateme é a (má) qualidade das infra-estruturas habitacionais e sociais erguidas neste bairro que, insistem, “em menos de dez anos começaram a evidenciar fissuras e hoje em dia há habitações em avançado estado de degradação”.

“E depois, volta e meia, não sabem em que circunstâncias, a Vale movimenta aqui jornalistas e depois vemos em jornais e televisões informações de que está tudo bem em Cateme, o que é uma verdadeira falsificação de dados que nos deixa espantados e indignados”.

Os clamores foram vincados por uma idosa que comentou que nem o básico para a vida de um ser humanos tem providenciado com regularidade: água e acrescenta. “E o nosso governo está quieto”.

Helena Sixpence

Helena Sixpence entrou com um detalhe segundo o qual até há “negociatas” com as casas que eram suposto serem destinadas aos movimentados de Chipanga: houve moradores que foram registados e tiveram a atribuição de casas, contudo, antes da mudança, estes perderam a vida e, por conseguinte, o direito à casa foi-lhes retirado, não sabemos para onde foram as casas inicialmente destinadas aos falecidos, tendo em conta que são pessoas que deixaram descendentes.

Por sua vez, Eduardo Chaleca, também morador do bairro, disse que perdeu bens durante o processo de mudança que prometeram que seriam revistos, mas, passados 12 anos, nada aconteceu.

“Eu era criador de animais e tinha porcos, durante a mudança perdi dois porcos que, devido à demora no transporte, acabaram morrendo por conta do calor, tiraram fotos aos porcos, mas até hoje ainda não fui compensado”.

Edgar Rendição Jone, morador do bairro desde 2010, disse que as promessas começaram em 2006, e que tiveram muito tempo para negociar. “Prometeram-nos casas melhoradas, mas o que encontrámos aqui foram casas precárias e sem alicerces”.

Houve quem perdeu até moradias, pois, segundo o morador, incialmente a Vale ─ que os nativos de Chipanga dizem que “saiu sem nos despedir” ─ tinha dito aos moradores que estava a fazer um estudo de viabilidade, por conseguinte as pessoas poderiam prosseguir com as suas vidas e continuar com os seus projectos.

STÉLVIO MARTINS (texto e fotos)

Este artigo foi publicado em primeira mão na edição em PDF do jornal Redactor do dia 28 de Dezembro de 2023.

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