Os ares de Manica fazem-te bem
Caríssimo editor!
É com grande pesar que informo que é o contrário. Odeio desiludi-lo, mas é o contrário.
Os ares de Manica fazem-me mal. Muito mal! É fácil estar aqui e perceber o porquê de estarmos até agora a dançar ao sucesso do “quem já ganhou?”.
É doloroso ver crianças que têm as suas casas construídas por cima de montanhas de ouro, literalmente montes de ouro, sem poderem ir à escola. Nesta região é mais fácil encontrar sítios com ouro do que sem! Mesmo assim, as crianças são obrigadas a abandonar a escola para se envolverem no trabalho infantil. Ninguém mais do que a vida as força a estarem naqueles locais perigosos e cobertos de lama. Ninguém mais do que a sobrevivência as obriga a meterem-se em buracos que continuamente desabam e ceifam vidas em troca de um pouco de pão e de umas moedas.
Bem, acabo de me aperceber que cometi um erro. Não, não é culpa da vida. O verdadeiro culpado é o Governo. Sim, o Governo que nada faz em prol da população, não se justifica que no el-dorado de Moçambique a maior indústria que beneficia os jovens seja o transporte sobre duas rodas. Nada justifica que o pequeno José, de 14 anos de idade, tenha de sustentar uma família de seis pessoas, incluindo a sua mãe que não tem emprego, trabalhando debaixo do sol, sem poder ir à escola.
Nada justifica que o jovem taxista que me levou uma vez na mota tivesse de admitir diante de mim, um ilustre desconhecido para ele, que a sua namorada é uma prostituta e que se entrega à maldita “profissão mais antiga do mundo” porque não sabe fazer outra coisa para ganhar dinheiro.
Nada justifica que senhoras tenham de vender pedaços de frango frito expostos a todo o tipo de elementos nos corredores dos mercados sem poderem sequer trocar o óleo por falta de lucro suficiente para ganhar moedas em troca.
Nada justifica que eu tivesse de ver crianças preocupadas em recolher do lixo materiais plásticos para a venda a empresas de reciclagem. Tudo isto porque alguém, num escritório com o ar-condicionado nos 16 graus, esqueceu-se de fazer o seu trabalho e que, provavelmente, quando sair para a sua casa na sua viatura que custou mais de 3,5 milhões de meticais, atribuída pelo Estado, vá sequer pensar nisso.
Nada justifica que os asiáticos que aqui pululam em excesso vivam em bairros de elite e que se recusam a misturar-se “connosco” como se de leprosos fôssemos e sejam eles os mais ricos neste enredo e, declaradamente, desprezam e riem-se das nossas línguas.
Queria eu poder escrever sobre a beleza dos montes que todos os dias insistem em se mostrar imponentes à minha vista, queria eu poder escrever sobre a beleza dos verdes, queria poder ser poético como me é habitual, mas o meu coração partiu-se tanto que virou pó, tanto pó que deve ter esvoaçado porque o pouco de sentimento amoroso que me restava desapareceu, sobrou-me no peito um buraco negro cheio de dores.
É com lágrimas nos olhos que lhe escrevo isto, caro editor.
Não sei se irá considerar esta crónica que escrevo da cidade de Chimoio uma lavra de desabafo. Particularmente, considero-a apenas a verdade.
E a verdade é que se eu tivesse nascido aqui também me revoltaria facilmente, também teria o espírito quente. Queria eu entender em que momento da vida é que estes gajos conseguiram convencer-nos que a face do progresso era uma Toyota Ractis, umas cervejas geladas na calada da noite, umas meninas interesseiras do nosso lado, lugares com luzes coloridas e música alta a ponto de não percebermos que vivemos de migalhas.
Eles desprezam-nos. Essa é que é a verdade. Sabem que o nosso preço é insignificante. É que eles são tão bons nisso que nos convenceram que, de facto, somos insignificantes.
Queria poder escrever mais, mas as dores que sinto são maiores que a minha capacidade de colocá-las no papel, a única coisa que consigo dizer agora é que, de facto, alguma coisa precisa de mudar.
Este artigo foi publicado intitulado “Solidariedade social” foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Redactor, na sua edição de 04 de Dezembro de 2023, na rubrica OPINIÃO.
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