Os desafios da actualidade

Os desafios da actualidade – Os jornalistas moçambicanos estão em festa, pela passagem do seu Dia, o 11 de Abril, data que marca a criação da Organização Nacional de Jornalistas (ONJ), agora transformada em Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ). Por esta ocasião, endereço os meus votos de boas festas a todos os jornalistas e os outros profissionais da comunicação social.

Olhando para o longo caminho percorrido, parafraseando Tomás Vieira Mário, de história, percurso e percalços, há que reconhecer o registo satisfatório da evolução do jornalista moçambicano, tanto do ponto de vista profissional, como técnico-científico, em que vemos a classe a rechear-se de talentos na prática da profissão e um considerável domínio dos meios que caracterizam a comunicação desta era cibernética, inseridos num mundo desafiante, que se pretende igual, justo e com um mercado altamente exigente.

Hoje já se pode escolher o que consumir, no concernente aos produtos mediáticos, graças à grande oferta do mercado, em que se assiste o pluralismo de órgãos de informação, esmagadoramente dominado pelas publicações electrónicas e de canais radiofónicos e televisivos emergentes.

Ao se fazer uma leitura do que é hoje o jornalista moçambicano, mesmo que seja na diagonal, como pretendo fazê-lo nesta pequena reflexão, é preciso enquadrá-lo nos diversos contextos que atravessou: o jornalista da era colonial; o da era pós-independência e, naturalmente, o jornalista dos dias que correm.

Uns viveram e relataram as peripécias do colonialismo português, outros, a epopeia da independência, com um jornalismo revolucionário, e, outros ainda, os actuais, os da era cibernética, fazem-no num contexto de Moçambique como um Estado de direito e com o desenvolvimento no horizonte, como uma agenda comum.

Não obstante estes três contextos, ainda temos jornalistas que atravessaram esse todo deserto até chegar aos dias de hoje, transmitindo o seu saber e experiência aos que foram entrando no comboio pelo caminho. Riqueza nossa. E congratulamos-vos.

Neste percurso todo, eles contaram a alegria e a tristeza, conforme as circunstâncias factuais, mas, sem deixar de vista o seu compromisso, o de informar, essa nobre missão social que os coloca na posição de verdadeiros mediadores da humanidade, por aproximar as partes opostas, por cultivar a paz e o diálogo no seio da sociedade, por emprestar a voz aos que não a têm e, sobretudo, por procurar sempre estar do lado da verdade, durante o exercício da sua profissão.

Os desafios actuais são muitos para o jornalista moçambicano, em que é chamado a desempenhar um papel preponderante no contexto das mudanças que se vão operando no país, desde os de índole política, militar, sócio-cultural e até climática, onde a paz e o desenvolvimento têm sido projectos, em algumas vezes, interrompidos, como consequência.

Com um país ciclicamente assolado por fenómenos naturais e que, como que não bastasse, agredido por terroristas ou gente com rostos sangrentos, em algumas zonas do norte do país, onde ocorrem barbaridades contra as populações a destruição de bens públicos e privados, é uma grande preocupação para o jornalista moçambicano, porque tal dificulta o seu cabal papel de informar a sociedade, dada a limitação espaço-territorial que encontra nessa obrigatoriedade moral-profissional. É o primeiro desafio que se pode destacar, de momento.

Praticar o jornalismo num contexto de instabilidade militar é, em qualquer que seja o país, um enorme desafio profissional para um comunicador. Daí que, o jornalista moçambicano deve, inerentemente, estar envolvido na busca de soluções para o efeito, como agente mediador, através da sua arte de informar e formar a sociedade, assente num patriotismo que deve vir do seu interior.

O segundo desafio do jornalista moçambicano pode ser a árdua luta pela sua reinvenção, em face da agressividade hodierna do mercado, em que ele sempre está em conflito, vindo tanto do interior da sua profissão, como de fora dele, neste último caso no contexto da triangulação mídia-lei-crime organizado, segundo o decano do jornalismo moçambicano Rogério Sitoe, principalmente quando cai na rota político-económica do mercado, com impacto profissional, em algumas vezes, indelével.

Vários estudos, a nível planetário, já concluíram que este eixo é de difícil abordagem e veio para ficar. Ao jornalista cabe a aplicação dos seus pressupostos ético-deontológicos, morais e profissionais para não entrar em choque com a sua própria essência, que é relatar a verdade, de forma objectiva, imparcial e, acima de tudo, consciente.

O jornalista hoje deve saber que está, inconsciente ou não, mergulhado nesse manto de interesses ilimitados, em termos de terreno de actuação e, cabe a ele escolher os que beneficiam a verdade, quiçá, a sociedade.

O terceiro desafio chama-se formação. Os tempos mudaram muito no campo da comunicação social, com o emprego massivo das tecnologias de informação e comunicação (TIC), em que tudo, devido à concorrência, é à velocidade cruzeira, em termos de noticiabilidade, muitas vezes atropelando as regras básicas da profissão. Portanto, é preciso acompanhar essa dinâmica do mercado, com formação e especialização, para melhor interpretar os fenómenos que ocorrem na sociedade, porque hoje todos informam e comunicam.

Ou seja, aquilo que o jornalista e sociólogo moçambicano Moisés Mabunda (2005) chama de sociedade de informação. A era digital, em que as redes sociais reivindicam espaço, lado a lado com os tradicionais ou grandes veículos da comunicação, numa convivência que produz desconfiança do jornalismo clássico e do público, massivamente, confiando mais nas redes sociais.

É tarefa do jornalista desmentir, de forma inteligente e proactiva, essa tendência, marcando uma diferença temática e introduzindo novas metodologias de investigação comunicacional.

Ou seja, não se deve embalar, sem responsabilidade individual, na comunicação free-making e corriqueira praticada pelos actores das social media, sem rostos, sem fontes apuradas, sem autoria moral e prenhe de instigações a actos que atentem a desordem colectiva, não obstante a importância dessas redes na produção da verdade, como uma das fontes primárias da história.

É, igualmente, a formação que pode tirar a má fotografia que se tem dos praticantes do jornalismo, face aos erros ortográficos e à falta de cultura geral que denotam em alguns produtos jornalísticos, em que se assiste um gritante desconhecimento do território que reportam, não conhecem os dirigentes do país e das instituições, inclusive a falta de fontes das informações relatadas. Enfim, produzindo peças jornalísticas que deixam a desejar e que não contribuem para a pedagogia social.

Para fechar, está a própria vida social do jornalista moçambicano, que precisa de uma revisitação. Muitos jornalistas continuam entregues à sua sorte, trabalham em condições materiais e salariais precárias, sem contratos laborais, sem seguro social e muito menos pertencer a qualquer sistema de segurança social, minando o seu próprio futuro e dos seus dependentes. Em muitas situações, vítimas das respectivas entidades patronais. Ou seja, colocados na vulnerabilidade do mercado. O jornalista é um sujeito público e que carrega consigo muitas amizades e simpatias no seio da sociedade, dada a nobreza e credibilidade da sua profissão. Urge preservar esse dom, enquanto tal sujeito é activo, profissionalmente.

O jornalista não troca a verdade por qualquer que seja a recompensa de quem o atente para o efeito. E, exemplos nefastos nesse sentido não faltam. A verdade é sagrada no jornalismo – defende um dos conceituados jornalistas mundiais, e escritor, o francês Ignacio Ramonet.

Termino encorajando a todos os jornalistas moçambicanos para que continuem a escrever e a noticiar um Moçambique de paz, de desenvolvimento e onde todos esperam um futuro risonho.

 É possível, mesmo no meio de adversidades, em que continua a desfilar o difícil acesso às fontes de informação, mesmo com a legislação clarificada nesse sentido.

Ainda prevalece aquilo que William Henry Vanderbilt, na sua obra intitulada “The public be damned – O público que se dane” (2006), chama de fuga para trás, por parte de algumas instituições públicas, quando solicitadas para fontes de informação. Portanto, ainda são muitos os desafios. Contudo, a profissão deve manter a sua nobre linha de actuação. Bem haja, o jornalista moçambicano.

 JAFAR BUANA *

* Jornalista

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