Pauta aduaneira: custos
Afinal as lamúrias suscitadas pelo anúncio do Governo, de propor à Assembleia da República uma revisão pontual da Pauta Aduaneira na importação de carapau, roupa e viaturas usadas, num leque de medidas que abrangem a indústria gráfica, não passam de falso alarido, que resulta de défice de informação.
Na verdade, a revisão não agrava emolumento algum. Trata-se apenas de correcção de algumas imprecisões que a Pauta ora em revisão denuncia.
A começar pelo carapau, recurso pesqueiro de eleição para a maioria da população desfavorecida, a sua importação vai continuar isenta de qualquer imposto, desde que seja importado de países vizinhos, por sinal potenciais e tradicionais fornecedores, nomeadamente Angola e Namíbia, no quadro do Protocolo de Livre Comércio na região da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC).
Todavia, quem quiser consumir carapau importado de fora da região terá de arcar com um imposto de consumo de 20%.
Sucede, por outro lado, que quase a totalidade (98%) do carapau consumido em Moçambique vem de Angola e da Namíbia e apenas percentagem mínima (dois por cento) é do resto do mundo, ou seja, de fora da região da SADC.
Antes da revisão, esta pequena percentagem também beneficiava, injustamente, de isenção total, anomalia que agora se pretende ver sanada com a revisão sugerida ao Parlamento pelo Governo.
Este procedimento obrigará os importadores a apresentarem o certificado de origem, prática que não era observada.
Roupa usada
Relativamente à roupa usada o que vai acontecer é o pagamento de 25 meticais por cada quilograma de roupa importada, na perspectiva de ajudar para o resgate da indústria de têxteis e confecções, um sector relevante para a geração de emprego.
Basta exemplificar que em 1995 o sector da indústria têxtil e vestuário empregava cerca de oito mil trabalhadores, contra cerca de 1500 actualmente. Sublinhe-se que 1995 nem sequer era o período de pico deste sector.
Num passado recente o Governo aprovou uma política e estratégia industrial, que elege sectores prioritários.
Porque a indústria transformadora tem uma gama de indústrias, houve que seleccionar alguns sectores considerados prioritários.
Alguns dos vários aspectos que pesaram para a selecção das indústrias eleitas é o potencial para a geração de emprego, contribuição para a redução de importações (gasto desnecessários de divisas), contribuição para ligação da cadeia de valor dos produtos primários nacionais, poder de ligação com outras indústrias. Este leque de critérios conferiu primeira eleição à indústria de têxtis e confecções.
Entretanto, constata-se como sendo um dos constrangimentos para o desenvolvimento desta indústria a abundância de roupa usada no mercado nacional, que concorre de forma quase desleal com a produção nacional e empregos que podiam ser gerados.
A indústria de têxteis e confecções tem uma tradição no país, que, todavia, foi-se perdendo com o tempo, devido a vários factores conjunturais.
Já foi um sector robusto com o seu mercado e capacidade plena de responder às necessidades do país.
As medidas propostas podem ajudar a resgatar o sector, pois representam um estímulo para a atracção de investimento interno e externo.
As poucas unidades revitalizadas operam apenas para exportar para a região e ainda não exploram o segmento interno. A criação de capacidade para a transformação da matéria-prima nacional (algodão), desde a fibra até ao vestuário, estimula a cadeia de produção que gera empregos e também a cadeia de fabrico, igualmente maior geradora de empregos.
Por enquanto, a proposta de mexidas na Pauta Aduaneira não proíbe importação de roupa usada.
A perspectiva é ter em conta o equilíbrio entre a necessidade de produção nacional e de garantir disponibilidade de roupa usada para a população.
A medida mais gravosa seria introdução de uma sobretaxa em termos percentuais. Mas não é esta a via que se pretende usar, a proposta é adição de 25 meticais por cada quilograma de roupa usada importada. Mantém-se igualmente o imposto de consumo fixado em 20 por cento.
A indústria gráfica faz parte do lote dos sectores abrangidos pela nova política e estratégia industrial. É nesta perspectiva que o Governo propõe ao Parlamento que os materiais usados pela indústria gráfica passarão a beneficiar de uma redução significativa dos direitos aduaneiros, passando dos actuais 20 por cento para 7,5 por cento.
Com esta proposta pretende-se que a indústria gráfica seja mais competitiva e consiga concorrer com a produção externa.
Viaturas usadas
Já no ramo de viaturas usadas, a alteração que se propõe reza que os carros com menos de sete anos vão ver os encargos fiscais a baixarem, enquanto os de mais de sete anos vão manter os encargos actuais, não havendo, por conseguinte, qualquer agravamento. Pelo contrário, regista-se um ganho para os importadores que optarem por viaturas de menos de sete anos.
Moçambique não está a inovar na modalidade que se propõe, pois países da região há que taxam viaturas com mais de 5-12 anos em 150% de encargos fiscais.
Os países desenvolvidos proíbem pura e simplesmente a importação de viaturas usadas, ponto e final e basta! Nem que seja um carro usado novo. Só se importa carros novos.
Em 1996-1997 o Governo implementou uma medida ao abrigo da qual proibia a importação de carros com mais de cinco anos.
Comparando esta medida à revisão da Pauta Aduaneira proposta dir-se-á até que o posicionamento do Executivo é brando ou muito benevolente, porque podia ter sido extremo. No caso em apresso não estamos perante proibição de importação.
Em condições normais um país não pode seguir o exemplo de Moçambique, que ainda permite importar todo o tipo de viaturas, de todas as idades, tornando o país, no curto e médio prazo, cemitério de viaturas que um dia não se saberá o que fazer delas.
Embora o país não tenha atingido ainda os extremos de poluição ambiental, as viaturas usadas incrementam de forma significativa o fenómeno, pelo facto de esses carros estarem proibidos de circular nos seus países de origem, e a prevenção não representar crime!
É uma classe de viaturas que igualmente aumentam a insegurança rodoviária, uma vez que algumas delas, eventualmente não poucas, chegam a Moçambique com problemas escondidos.
Estaria no direito do Governo impedir pura e simplesmente a entrada de viaturas com uma determinada idade, o que não é proposto.
Os países que proíbem a importação de carros de segunda mão vão mais longe, ao limitar as marcas, para salvaguardar a capacidade em divisas para garantir acessórios para a manutenção.
A proliferação de marcas implica maior dispêndio de divisas na importação de peças e não facilita a especialização de pessoal que vão lidar com uma variada gama de marcas.
Em última análise a proposta visa estimular a aquisição e uso de carros com idade inferior a sete anos, com uma proposta de redução em cinco pontos percentuais das actuais taxas praticadas actualmente sem discriminação de idade.
Actualmente um carro de cilindragem similar ao Vitz, com menos de cinco anos, está isento do imposto sobre consumo específico. A mesma viatura quando tiver acima de sete anos terá de passar a sujeitar-se ao imposto de consumo específico, sendo o valor mínimo de cinco por cento.
Boaventura Mandlate
Este artigo foi publicado em primeira mão na versão PDF do Correio da manhã no dia 19 de Outubro de 2017