Putativamente, sempre!

Há sensivelmente mês e meio que Moçambique vive em regime de estado de emergência, de nível quatro, por causa da covid-19, conjuntura devidamente regulada pelas entidades competentes, estabelecendo deveres e direitos para todos, putativamente.

Putativamente porquê? Porque neste país é mesmo assim, sempre. (Quase tudo) putativamente.

Se define tudo claro e bonito, mas na hora da aplicação o filme é outro.

Efectivamente, o artigo 3 do decreto12/2020 de 29 de Março, prorrogado, na sua alínea “d”, proíbe (putativamente) a todos, de realizar eventos públicos e privados, como cultos religiosos, actividades culturas, recreativas, desportivas, políticas, associativas, turísticas e de qualquer outra índole, exceptuando questões inadiáveis do Estado ou sociais, como cerimónias fúnebres, devendo em todos os casos ser adoptadas medidas de prevenção emanadas pelo Ministério da Saúde.

E o artigo 6 deste mesmo dispositivo presidencial não perde tempo com alíneas e diz apenas que “o desrespeito às medidas impostas pelo presente diploma legal será considerado crime de desobediência e punido com as penas correspondentes”.

Bonito de ver e ouvir. Mas vamos à aplicação: dualidade de critérios.

Transgredir o decreto presidencial com a bandeira da República e a foto do PR no fundo

Com efeito, os agentes da lei e ordem aplicam esta lei de forma discriminatória, muitas das vezes “com excesso de zelo”, até admitido pelo porta-voz da PRM em plena emissão da Rádio Moçambique (na rubrica matinal Café da manhã) no dia 07 de Maio de 2020, apenas para o “zé povão” e de forma carinhosa, quando os prevaricadores são os ditos “excelências”, como se viu no dia 06 de Maio, na cidade de Maputo, num convívio envolvendo alguns quadros e funcionários da Direcção do Gênero, Criança e Acção Social.

Dualidade de critérios porque no “excesso de zelo” admitido pelo porta-voz da PRM até vidas já foram sacrificadas ao longo deste Moçambique e só em Abril as detenções totalizaram 899, segundo a mesma fonte.

Mas, quando se trata de “camaradas excelências” tudo termina na identificação dos prevaricadores, sua dispersão e abertura de processos (será?). Aqui nunca há lugar a detenções nem retenções de meios, como se tem assistido quando se trata de “nós outros” e ninguém ousa cair no “excesso de zelo”. Impressionante, não é?

Resta saber que mensagem se pretende transmitir com este tipo de postura das autoridades, quando pauta por esta dualidade de critérios num contexto em que supostamente todos devíamos merecer o mesmo tratamento perante a lei.

No Centro Infantil Nyeleti em Maputo houve prevaricadores e condescendentes e ambos deviam ser responsabilizados, a bem da imagem e reputação das instituições, havendo vontade política para tal.

Na vizinha África do Sul uma ministra foi punida publicamente por ordens expressas do Presidente da República por ter violado as regras do estado de emergência.

No Lesoto o ministro do Interior passou uma noite nas celas pelas mesmas razões.

E nós aqui: uns exigem aos outros a utilização de máscaras e eles não as usam. Obrigam, não raras vezes de forma violenta e humilhante, a quem sobrevive dos parcos ganhos diários na rua, a ficar em casa, aliás, no minúsculo cubículo por vezes sem as mínimas condições de habitabilidade, enquanto os que chafurdam na luxúria se movimentam à vontade!

E depois se espantam com algumas atitudes do “maravilhoso povo” em determinados momentos.

Uma vez mais repito: respeito não se exige, conquista-se

Tenho dito.

REFINALDO CHILENGUE

Este artigo foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Correio da manhã, na sua edição de 08 de Maio de 2020, na rubrica TIKU 15!

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