O ressuscitar do morto

Solidariedade. Afinal estás viva? Estou incrédulo. Na sociedade eras dada como morta. Ninguém tinha provas disso, mas com o andar do tempo fui acreditando que partiste mesmo e para sempre sem dizeres adeus!

Perdi a esperança de poder te ver novamente entre nós quando se furou o pneu do meu carro, em plena mata, e tu não apareceste para me socorreres. Andei à tua procura em tudo que é canto e só encontrei o “basta pagar”.

Solidariedade, desapareceste quando tu sabias o quanto precisava de ti. Sou um cidadão pacato e com muitas necessidades. A minha vida é marcada por muitas lutas, muitas dificuldades e a tua mão é importante para mim.

Outro dia procurei-te para me ajudares a empurrar o carro quando a bateria descarregou. Como sempre, encontrei, sem esforço nenhum, o “basta pagar”. Empurrei, empurrei a viatura até tirar a língua, mas nada. O motor continuava mudo. Estendi a mão aos automobilistas que passavam pela estrada. Todos batiam o pulso do lado esquerdo como quem diz “estou sem tempo”. Para piorar a situação, o meu telemóvel descarregou.

A noite caiu e o carro transformou-se no meu abrigo. Sem dinheiro, sem água, nem algo para enganar ao estômago que não parava de murmurar, tudo porque tu, solidariedade, sumiste da sociedade, dando lugar ao “basta pagar”.

Quando o calor abrasador de verão queimou tudo na minha machamba não apareceste para me consolar e ajudar. Senti muito a tua falta. Valeu-me o “comida pelo trabalho”. Aliviou-me a dor.

Solidariedade, afinal estás viva? Explique-me que te escuto. Porque é que me deixaste sofrer tanto assim? Eu e os outros necessitados? Era preciso chegar o ciclone Idai que destruiu quase por completo a cidade da Beira e levou consigo mais de 600 almas para tu ressuscitares?

Não consigo refazer-me do susto ao ver-te de novo entre nós e a surgir com muita força, alongando as suas mãos mágicas cheias do que comer, do que beber, do que vestir e a oferecer abrigos que muitos perderam e condições para reconstruir o que foi destruído.

A forma como, em tão pouco tempo, multiplicaste as tuas mãos e tocaste nos corações de milhares de moçambicanos e de vários países do mundo, perpetuando o teu nome, espanta aos transeuntes e está marcada na história do país.

Trabalhando de uma forma incansável com essa tua força feminina jamais vista, continuas a trazer tudo que é necessário para o conforto de quem perdeu o pouco que tinha ou que juntou com muito suor e sacrifício e ao longo de décadas de trabalho árduo.

Estou muito satisfeito ao ver-te de novo entre nós seguindo o caminho de Jesus Cristo que morre na sexta-feira e ressuscita no domingo seguinte. Até que eu nunca acreditei em absoluto que tu tinhas morrido. Sempre esperei que a qualquer altura fosses a reaparecer a fazeres o que bem sabes fazer que é estender a sua mão bondosa a quem precisa.

Sem abandonares as vítimas do Idai, que já receberam das tuas mãos muitas ofertas e continuam a precisar da tua ajuda para refazerem as suas vidas, já estás a actuar em Cabo Delgado e Nampula, por onde passaram, há pouco, os ventos destruidores do ciclone Kenneth, acompanhados por fortes chuvas. Centenas de infraestruturas foram destruídas e 42 pessoas morreram.

Solidariedade, te peço encarecidamente para não nos abandonar outra vez. Fique entre os moçambicanos. Faça a eles perceberem que quando alguém está aflito, precisa da nossa ajuda. Temos que o auxiliar sem pré-condições ou sem lhe cobrar nada.

Infelizmente, nos dias que correm, uma simples orientação ao automobilista para retornar a uma faixa de rodagem é caso para alguém lhe cobrar algum dinheiro.

Se alguém te alerta da existência de um espaço para parquear a viatura, ainda que o tenha visto antes sem a sua ajuda, vai te pedir uma recompensa.

Solidariedade, viva para sempre nos corações dos moçambicanos para que façam valer o teu nome e não coloquem o dinheiro em frente de tudo.

Em tua homenagem, saberão separar uma simples ajuda a quem necessita, de um serviço com fins lucrativos como mudança de óleo, lavagem de carro, pintura de imóveis, colocação de fechadura numa porta, construção ou reabilitação de uma casa, etc.

Não nos faça acreditar que só ressuscitas com ciclones ou depressões tropicais mortíferos e destruidores, mas que estás presente também em pequenos e significativos actos nas vidas das pessoas.

Faça perceber a todo o mundo que é preciso valorizar mais a amizade, que pode surgir de uma solidariedade e durar uma vida inteira, do que o dinheiro, que pode ser gasto todo ele na próxima esquina.

ALEXANDRE CHIURE

Este artigo foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Correio da manhã, na sua edição de 20 de Maio de 2019, na rubrica semanal denominada CHIBUTENSE

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