Vuma, Mwela e Lilinga: os três “carrascos” do Lago

Praticamente todas as zonas costeiras do Lago Niassa, no distrito do Lago, na província setentrional moçambicana do Niassa, estão fortemente ameaçadas pela progressão para o interior das águas deste que é um dos grandes lagos africanos, quadro influenciado por diversos fenómenos extremos associados às alterações climáticas, de acordo com entendidos.

Com uma vastidão estimada em 31 mil quilómetros quadrados, dos quais 6400 pertencem a Moçambique, o Lago Niassa – o terceiro maior de África –, também chamado Lago Malawi, para além dos efeitos do aquecimento global, o seu comportamento está também a ser influenciado pelo El Niño.

“Quando há vento intenso ocorrem remoinhos que, aliados à instabilidade atmosférica e ao aquecimento e sendo [o Lago] uma zona de persistente baixa pressão se gera muito calor, deixa o ar muito denso e volátil, a evaporação das águas das montanhas circundantes cria uma situação que precisa de uma análise mais cuidada”, de acordo com o meteorologista Tomás Inácio Munhazana, delegado do Instituto Nacional de Meteorologia (INAM) no Niassa.

O especialista, natural de Manica e que vive no Niassa desde 2007, diz que quando a água do Lago Niassa aquece, é soprada e vai embater violentamente na costa, provocando um efeito devastador, como se fosse um tsunami, efeitos que ocorrem periodicamente.

Mwela, Vuma e Lilinga são os três eventos violentos que ciclicamente se abatem sobre o Lago Niassa, sendo o primeiro o mais devastador, acontecendo entre os meses de Abril e Junho.

O Lilinga ocorre no período chuvoso, basicamente entre os meses de Dezembro e Abril, enquanto o Vuma é de periodicidade irregular.

Justamente visando acompanhar e melhor interpretar estes fenómenos, ajudar os pescadores e outros utentes potenciais desta região biogeográfica específica com cerca de 400 espécies de ciclídeos consideradas endémicas, o INAM está a montar uma estação no Lago.

Tomás Inácio

Para Tomás Inácio, “são muitos” os factores que concorrem para o actual comportamento do Lago Niassa, recordando com alguma nostalgia a beleza que anteriormente emprestavam as praias daquela bacia. “Havia ali muita praia linda, muitas casas e coqueiros, mas aquilo tudo foi varrido brutalmente, episódios ocorridos com maior violência nas três épocas mais recentes”.

“Não há dúvidas que os elementos climáticos, designadamente vento e temperatura, são os principais responsáveis por estes fenómenos e que merecem a nossa atenção acrescida”, frisa o especialista, minimizando alguns estudos que aventam a hipótese de tais fenómenos terem a ver exclusivamente com a abertura de placas tectónicas.

“Estes eventos não têm uma causa única, mas o pressuposto científico de que havendo um aquecimento intenso culminará sempre com a formação de nuvens de desenvolvimento vertical com um raio de cerca de quatro quilómetros, resvalando para uma situação de ciclone com ventos acima de 120 quilómetros por hora e ligado ao factor das elevações em redor da água na bacia resulta num vento catastrófico. Não podemos sair com conclusões simplistas e precipitadas para interpretar o que se está a passar”, adverte Tomás Inácio Munhazana.

Acrescenta o meteorologista que se trata de uma conjugação de factores que podem resultar numa devastação como as que “temos assistido nos últimos tempos, incluindo a devastação florestal e a exploração de pedras nas encostas dos montes circundantes”.

E o especialista avisa: “qualquer dia podemos ver aquela montanha a desmoronar-se, pressionar a água, criar um tsunami e varrer aquela vila. Temos de estar preparados para isso. Enquanto isso estamos a estudar o que está a acontecer porque quando as ondas do lago se agitam aquilo mais parece um oceano e não há barco que aguente, com a agravante de ser água doce, mais densa que a salgada”.

O especialista lamenta o não cumprimento do que já está legislado para mitigar os efeitos devastadores associados às alterações climáticas. “Toda aquela zona tem estatuto de reserva especial. O próprio lago desde 2011 foi declarado zona húmida de importância internacional – outro local idêntico está em Sofala, centro de Moçambique – com uma riqueza lacustre única em África, principalmente em termos de peixes ornamentais”.

No terreno, os estragos são visíveis e a região de Chuanga é emblemática quanto a isso. Em aproximadamente 25 anos perdeu perto de dois quilómetros. Aproximadamente mais de 600 metros se perderam apenas nos últimos dois anos.

Zonas que há aproximadamente duas décadas e meia eram residências são hoje áreas de pesca e aquilo que até 2021 eram praias paradisíacas, nos dias que correm emprestam uma imagem de devastação e operadores turísticos e residentes estão a recuar para o interior.

O Centro Turístico Katawala (CETUKA), construído em 1994 e que até ao início deste 2023 tinha 24 chalés, hoje possui apenas quatro, depois de o Mwela de 2023 ter devastado 20 delas, situação que obrigou os gestores deste empreendimento turístico a dispensar duas dezenas de colaboradores, ficando com apenas quatro, de acordo com Benvindo Kuamakanda, de 25 anos de idade e que está a gerir o que sobrou e a desenhar estratégias de reposicionamento do lodge numa outra área nas proximidades.

A actual estrada que liga a autarquia de Metangula ao povoado de Chuanga foi devastada em 1980 pelos fenómenos cíclicos que se abatem sobre o lago, afectado várias secções da rodovia entretanto intervencionada em 1998. Na zona de Mecala, ao longo da mesma rodovia, um empreendimento hoteleiro esteve à beira de desaparecer, mas o proprietário investiu fortemente na colocação de pedras e plantio de árvores, travando o avanço das águas, aparentemente com sucesso.

A ponte cais de barcos localizada no bairro Seli, na Vila de Metangula, é outro exemplo dos danos provocados pelas águas do Lago Niassa. Há mais de cinco anos que a infraestrutura está danificada, o mesmo tendo acontecido com vastas zonas do Posto Administrativo de Cóbue, conforme fomos constatar.

Em 1980, as águas do Lago Niassa em espantosa “coligação” com a foz do rio Lunho, em Messumba, varreu o povoado de Bindula, numa clara evidência de que Moçambique é um dos países mais afectados pelas alterações climáticas, conforme diversos registas de organismos internacionais relevantes.

Idriss Kawawa e Laura Manuel, residentes de Chuanga, lamentam a “inércia” das autoridades face à destruição que se verifica. “Alguns membros do Governo apenas aparecem aqui, fazem reuniões e promessas e depois se vão embora. Estamos a assistir a progressão das águas e a via que parte de Metangula até aqui mais dia menos dias estará cortada, caso não se tomem medidas urgentes para travar o avanço da erosão causada pela fúria das águas do lago”.

Um outro empreendedor que estava a erguer um prédio a escassos metros do lago, junto do CETUKA, simplesmente desistiu da iniciativa depois do que viu em Abril de 2023 quando o Mwela “aterrorizou” toda a zona de Chuanga. “Este fenómeno não é de brincadeira”, enfatiza Benvindo Kuamakanda que está a gerir CETUKA deste 2019, quando o proprietário, Gabriel Katawala (primeiro edil da autarquia de Metangula – 1999-2004), hoje com 87 anos de idade, caiu doente.

Depois de horas a fio no lago, ao meio da tarde de sete de Dezembro de 2023 saía, cabisbaixo, o pescador Xadreque João, de 32 anos de idade, sem um único peixe. “Nos meus 10 anos de experiência não vi nada igual. As coisas estão a piorar desde 2021”, lamenta, mas, mesmo assim, diz que continuará a ensinar ao filho, Osvaldo, hoje com 14 anos de idade e estudante da oitava classe, a arte de pescar, porque é uma das principais actividades de subsistência na região.

Vista parcial do Lago Niassa

Luís Pinto, gestor do novel Jasmine Bay Hotel & SPA, (inaugurado oficialmente a 20 de Novembro de 2023), num tom relaxado, diz que o seu empreendimento não corre perigo porque foram acautelados todos os detalhes, “científicos e tradicionais”, para além do respeito pelos padrões de conservação.

Para mitigar os impactos negativos destes eventos climáticos, o Instituto Nacional de Gestão de Desastres está a treinar as comunidades a melhor enfrentarem as intempéries com exercícios de simulações de socorro e assistência (exemplo do que aconteceu em Mandimba, no dia 9 de Dezembro de 2023), incentivar a construção de habitações resilientes e em locais seguros, constituição de comités locais como pontos-focais, de acordo com Isabel Maria Cavo, delegada do INGD no Niassa.

Dados da agência das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP, sigla em inglês) alertam que o mundo está longe de alcançar os objectivos do Acordo de Paris, tratado internacional assinado em 2015 e que estabelece que o limite global de aumento da temperatura não vá, idealmente, além dos 1,5 graus, e alerta que o planeta Terra poderá ficar até três graus mais quente em 2100, se as emissões de gases com efeito de estufa continuarem a subir ao ritmo actual e os países, sobretudo os mais desenvolvidos, não mudarem radicalmente a forma como estão a combater as alterações climáticas.

Daqui a sete anos, em 2030, o cenário manter-se-á negro: serão produzidas 22 gigatoneladas de gases poluentes a mais do que o previsto no Acordo de Paris, se tudo se mantiver como actualmente. De recordar que, em todas as cimeiras das Nações Unidas, o limite de 1,5 graus de aumento da temperatura global nunca se alterou. Mesmo no melhor dos cenários, “as chances de limitar o aquecimento global para os 1,5 graus são apenas de 14%”, lê-se no relatório da UNEP.

REFINALDO CHILENGUE (texto, fotos e vídeo *)

*comparticipação de Benvindo Kuamakanda

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