Xinavane

Xinavane é uma pequena vila incrustada no rio Incomáti, na província de Maputo, a nove quilômetros da estrada nacional número um e a cerca de 80 quilómetros da capital moçambicana, Maputo. Esta pequena localidade é mundialmente famosa por albergar uma fábrica de açúcar a partir de uma grande extensão de plantação de cana sacarina. A firma foi fundada por investidores ingleses no século passado, 1914, depois passou para mãos portuguesas, até agora que está com os sul-africanos da Tongaat Hulett. O açúcar de Xinavane tem o seu lugar e história no nosso país. As más línguas dizem que Xinavane e as suas gentes estão entregues nas mãos de um “Deus” que se chama Açucareira de Xinavane!…

A partir de Mugunwani, Munhangane, Xipadja e depois Malehice, algures no interior de Chibuto, a fama de Xinavane, do seu açúcar, das suas plantações, do trabalho na fábrica ou nas plantações estava bem espalhada. Atingia a todos, adultos, jovens e menores.  As informações mais proeminentes eram de que havia muitos empregos nas plantações e, por via disso, a procissão até às terras de Xinavane era interminável. Nos seus tempos mais áureos, chegou a empregar dez mil trabalhadores. A demanda até lá não superava e nem concorria propriamente com a demanda para as minas sul-africanas, mas era tamanha também. Muitos faziam-se a Xinavane tentar a sua sorte e muitas vezes caminhando a pé. Como em tudo, havia quem sucedesse e outros que não. É a lei da vida.

E foi assim que Xinavane passou a fazer parte do meu imaginário. Xinavane fábrica de açúcar, nós que na criancice “funhávamos” (kikikikikikiki… – os adultos percebem) – tirar o açúcar do recipiente para a boca, sem estar a temperar nada; somente comer açúcar. Bons tempos aqueles da meninice. Ai de nós se fossemos apanhados… boa porrada! Mas também Xinavane local de trabalho nas plantações; e Xinavane onde ia muita gente à busca de emprego. Ficou a ideia de um local aprazível, dinâmico, organizado, em desenvolvimento.  

A minha curiosidade foi-se acumulando e aumentou mais quando comecei a frequentar as “Oliveiras” nas idas e vindas a Maputo, nos princípios da década de 80. Na passagem pelo cruzamento de Xinavane, todo o olhar era para o lado direito ou esquerdo, consoante se estivesse a ir ou a vir de Maputo, na tentativa de desvendar com os meus próprios olhos o famoso “Xinavane”. Quase que não olhava para o lado oposto. A obsessão era conhecer fisicamente, ver e apreender o que lá se faz. Foram vários anos neste ir e vir a Maputo, mas sem desbravar/desmistificar Xinavane.

O primeiro “conhecer” Xinavane acabou acontecendo eu já jornalista… no semanário domingo, nos princípios da década de 90… tardiamente, mais de vinte anos depois de ouvir falar! Antes tarde que nunca!

Digamos que a experiência foi a de uma montanha que pariu um rato! Aquela imagem colossal de um Xinavane gigante, dinâmico, de uma fábrica de açúcar… proporcionadora de muitos empregos… nada! Pior que nem vi muitos aglomerados de trabalhadores, porque obviamente na labuta! Não encontrei um Xinavane extraordinário, uma vila atractiva, viva, em desenvolvimento. Apesar da fama que tem, é uma vila… sem grandes coisas, pacata! Pobre. Por arejar, por ornamentar: por desenvolver. Uma fábrica, umas casas e… muitas plantações de cana de açúcar à volta e num horizonte infindável. É nada mais que isto!

Esta imagem pálida, de pobreza consolidar-se-ia e perduraria por mais tempo depois de algumas passeatas até Magude com amigos ou família. A localidade que alberga o maior empregador da região, com influência nas comunidades de Magude, Palmeira, 3 de Fevereiro, Magule, Incoluane, Ilha Josina Machel, Taninga, e na economia de Moçambique vivia numa pobreza extrema… Aliás, tristemente, a própria vila de Magude… está numa letargia total! Não se passa nada ali, a despeito de ser a vila-sede de um dos distritos maiores criadores de gado bovino no país! Que contraste!

Há dias, voltei a vislumbrar Xinavane, em passagem para Magude. Voltei a matar saudades daquele Xinavane mítico, da infância! Não o real. E foi a mesma decepção! Um Xinavane pálido, poeirento, sem arejo, sem beleza, sem brilho, sem alegria: o mesmo horizonte de pobreza de há 60, 70 anos… Custa bastante acreditar que alberga uma das maiores fábricas de açúcar do país e da região austral de África. Definitivamente, não é uma pequena vila em desenvolvimento. Não é! Xinavane e a vila de Magude são uma completa decepção!

O investidor só está a olhar exclusivamente para o seu negócio… quase nada faz em prol do desenvolvimento da vila e do distrito. Até o ramal de estrada que sai da EN1, um troçozeco de apenas nove quilómetros; e vai até à sede do distrito de Magude, a Tongaat Hulett não consegue pôr em condições, está muito má. Acções para o desenvolvimento da vila, ou do distrito e mesmo de responsabilidade social “zero”, ou quase zero… Triste! Dirão que apoia o Incomáti no Moçambola! Apoia coisa nenhuma. Finge que apoia. Se apoiasse, o Incomáti tinha um recinto desportivo de referência no país, não aquele campinho ali onde mal cabem cinco mil pessoas – e o que são cinco mil no futebol? Se apoiasse, Incomáti de Xinavane não estaria entre a descida e manutenção todos os anos. Não digo que estaria como a HCB, mas pelo menos não teria problemas de pagar salários aos jogadores!

É assim em muitos sítios do nosso Moçambique: em Chibuto, os chineses fazem absolutamente nenhum… idem a Sasol em Inhassoro/Vilankulo, as multinacionais de carvão em Tete, as areias pesadas de Moma, a MRM em Namanhumbir, a Mozal em Beluluane, etc., etc. e etc. Quase nada de nada. Coitadas das nossas comunidades!

Tudo debaixo do nosso olhar impávido e sereno.

MOISÉS MABUNDA

https://bit.ly/3oc1lWc

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