A dor de um imigrante

Muitas vezes ouvimos coisas sendo faladas. Enquanto não nos atingirem, somos capazes de desmentir veementemente. 

Fala-se muito de corrupção, de nepotismo, de clientelismo, de sofrimento, de humilhação, entre outros assuntos. Enquanto isso não acontecer na sua cara, acaba desmentindo.

Posso dizer que em todas as instituições do Estado não há serviço que se faça gratuitamente. Os esquemas são ordinários e não pagar algo significa congelar o seu assunto. Ou seja, somos programados a pagar e as negociações são feitas a céu aberto. 

Aquilo que era crime agora é legal. Tive a infelicidade de presenciar horrores em plena segunda-feira. Tive também a infelicidade de ver ao meu amigo serem tirados 500 meticais por não ter seguro no seu carro. Não é mais fácil sensibilizar do que um pobre roubando outro miserável?

Não sei se é por causa da fome, atraso dos salários, sofrimento generalizado, enfim, não sei. Só sei que o país está mal. Nas encostas de Maputo, os gritos são demasiados. O povo já sabe que não pode solicitar algum serviço público sem que tenha um valor extra. Veja onde chegámos como Estado.

Não é possível fazer-se de conhecedor e muito menos recusar-se a esses esquemas. O mais caricato, as negociações acontecem numa vitrina onde vem escrito “DENUNCIA A CORRUPÇÃO”. De que corrupção aquela frase elenca? De que denúncia se refere? Os que escreveram são os que te tiram. Um juiz julgando o seu próprio caso, o que se espera nisso?

Denúncia ou não, o país está mergulhado num precipício sem precedentes. Como desconfigurar o povo que foi configurado que não pode aceder aos serviços públicos sem um valor extra? Como desconfigurar os funcionários configurados que não podem prestar serviços sem um valor extra vindo das mãos dos seus irmãos que lutam pela vida?

O meu amigo com os 500 que deu ao agente da Polícia de Trânsito queria comprar xarope para a filha e acabou não comprando. Aquela agente prejudicou uma menor pela ganância desmedida e falta de escuta activa. Nem todos os que se fazem às estradas têm dinheiro. Outros pedem emprestado carro para resolverem assuntos pontuais. Vamos nos examinar.

Não há quem possa negar. Todos passamos por esses esquemas e não há que escapar. Se escapa numa hoje, amanhã não vai na outra. Por que tem de ser assim? Quem nos fez chegar a este nível?

O dinheiro que se rouba dos cidadãos se entrasse nos cofres do Estado não seria o mesmo a ajudar a reabilitar os cemitérios de estradas? Tapar as piscinas nas avenidas e ruas? Não deixaríamos de tomar banho com as águas paradas e pisadas pelos carros?

“Minha parte” foi uma frase proferida por uma funcionária de um estabelecimento estatal após um atendimento. As coisas que lá acontecem são uma novela ao vivo. Você não acredita até que seja parte do processo.

O que o Estado deve fazer? Montar câmeras em todos os estabelecimentos e uma central de vigilância? Cada funcionário deve ter um GPS assim que chegar ao seu sector, como aqueles jogadores têm quando entram em campo? 

Esses GPS ajudam a rastrear os funcionários nas suas saídas. Nenhum funcionário deve usar celular no seu posto de trabalho até que saia, use o telefone da instituição e com rastreio. Sem isso, o país brevemente será um Haiti, em criatividade de corrupção. 

Estou aqui pensando nos meus meticais que me tiraram e nos meticais do meu amigo. A bem da nação, medidas urgentes devem ser adotadas. Não vou agora falar do assunto dos “chapas”. Para este, tenho de me assimilar.

Maputo, em vez de ser a cena, virou um caos e coisa sem explicação. Não dá para viver e com o calor intenso parece que Deus está a punir o povo aos poucos. O povo a ser punido por falta de acção e o governo a ser punido por falta de sensibilidade. 

Todos somos imigrantes na nossa terra e assim nos fizeram ser. Evito usar a palavra OBRIGARAM-NOS a ser, pois somos coniventes.

JÚNIOR RAFAEL OPUHA KHONLEKELA

Este artigo foi publicado foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Redactor, na sua edição de 06 de Março de 2024, na rubrica OPINIÃO.

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