A sobrevivência na Lixeira

Debaixo de um intenso sol acompanhado de um rescaldado calor que se fazia sentir na cidade de Pemba, estava eu passando próximo da Lixeira Municipal, na zona da Galp, regressando de uma visita ao meu avô, “babúHorácio, que vive na Cerâmica, muito próximo da EN1.

Preferi caminhar, ao invés de apanhar chapa, pois diz-se que caminhar faz bem à saúde. Durante aquela minha briosa marcha, de longe, vejo muitos jovens vasculhando os sacos e os montões de lixo, exactamente, na conhecida Lixeira Municipal, em que nas tardes, muita das vezes os munícipes recebem o fumo poluidor vindo daquele local, devido à queima do lixo.

Preocupei-me em aproximar para perceber o que estavam a fazer aqueles rapazes. Logo na entrada da Lixeira Municipal, que porventura é também a entrada para as residências de alguns concidadãos, encontrei uma sombra que, se calhar, foi improvisada por aqueles rapazes para ter um resguardo nos tempos de intervalo.

Ao chegar naquela sombra encontrei um jovem que estava sentado num banco improvisado, meio triste e silencioso. Em seguida, ele serviu-me aquele acento e, sentei com muita confiança. Apresentei-me e mostrei a minha preocupação em saber o que fazem os jovens ali e logo aquele jovem contou-me o seguinte:

“Eu sou daqui em Pemba, estudo na Escola de Arco-íris no período da manhã, e nas tardes assim como nos fins-de-semana trabalho aqui para conseguir dinheiro. A minha escola é aquela que é apoiada pelos brancos religiosos que atendem os meninos órfãos e necessitados. Na verdade, não tenho pai e nem mãe. Estou a trabalhar nesta lixeira desde 2013. Vivo com a minha madrasta, mas ela me tem tratado muito mal. Ganhei telefone uma vez na escola por atingir boas e altas notas, mas quando fui dormir num certo dia, a minha madrasta levou-o e colocou num balde de água, dai que não tive como recuperar utilidade daquele telefone. Aliás, teria se tivesse condições para levar ao mestre reparador. Às vezes costumo querer ajudar a ela comprando pão para o matabicho, mas ela junto com os seus verdadeiros filhos simplesmente deitam o pão que tenho comprado porque alegam ser do lixo, enquanto tenho comprado na padaria com o dinheiro que ganho do lixo. O meu maior sonho é ser mecânico, mas quando fui pedir para trabalhar numas oficinas, os mestres proibiram-me porque para lá trabalhar, é preciso pagar um valor para aprender e passar a trabalhar, mas nunca pude conseguir ter esse valor. Nesta lixeira vivem vários jovens oriundos de alguns distritos vizinhos de Pemba sendo uns deles marginais e outros da minha situação. Lá para o fundo, existem casinhas onde vivem esses tais jovens. Eles se têm agredido e até se têm assassinado quando um consegue apanhar na lixeira comida ou qualquer bem valioso que o outro.

O grande perigo que temos cá é de morrer devido a agressão de esses jovens marginais, e também de morrer por atropelamentos causados pelos carros que vem deitar o lixo. Nestes trabalhos, o outro perigo é de apanhar doenças e ferimentos, porque não usamos material e nem equipamento adequado para mexer o lixo. No passado já me cortei várias vezes com garrafas, nos pés e principalmente nas mãos. Os responsáveis dos carros que vem deitar o lixo, as vezes, recolhem suas luvas e botas para nós não podermos ter…’’.

Triste, assim contou-me aquele meu amigo, que de seguida apertei-lhe a mão e pedi para ter uma foto naquele seu local de trabalho, transmitindo-lhe um afecto de esperança e de muita fé por meio de palavras.

Assim ficou registada a foto daquele meu amigo na imagem acima, rogando para que ele tenha bênçãos de realizar os seus sonhos.

Confesso que não tive outra forma de como o ajudar!…

Joel Atanásio Amba

Este artigo foi publicado em primeira mão na versão PDF do jornal Correio da manhã, edição de 13 de Novembro de 2018 na rubrica OPINIÃO

Caso esteja interessado em receber regularmente a versão PDF do jornal Correio da manhã manifeste esse desejo através de um correio electrónico para corrreiodamanha@tvcabo.co.mz, ou geral@correiodamanhamoz.com.

Também pode ligar para o 84 1404040, 21305326 ou 21305323.

Gratos pela preferência

Compartilhe o conhecimento
  •  
  •  
  •  
  •  
  •  
  •  
  •  
  •  

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *