Cabo Verde: Jornais

O professor universitário e investigador cabo-verdiano Daniel Medina entende que a democracia de Cabo Verde está em perigo com o fecho de jornais, considerando que o país deve promover um debate sobre o assunto.

“A nossa democracia está a ser solidificada, mas está sempre em perigo porque quando se calam vozes dos jornais, cala-se um bocado da democracia, a pluralidade das opiniões, a versatilidade no sentido de compreendermos por que caminho é que vamos”, analisou.

Daniel Medina, professor universitário, investigador, jornalista e coordenador do curso de Comunicação Social e Jornalismo da Universidade pública de Cabo Verde (Uni-CV), analisava, em entrevista à agência Lusa, a situação actual da imprensa do arquipélago.

Nos últimos tempos, tem-se assistido ao fecho de alguns jornais cabo-verdianos, em que o caso mais recente foi o “A Semana”, o mais antigo do país, que suspendeu a sua edição impressa, mantendo apenas a versão ‘online’, deixando vários jornalistas no desemprego.

Segundo Daniel Medina, mesmo estando “debilitantes e debilitados financeiramente”, o fim de alguns jornais é um “perigo grave” para a democracia.

“Penso que se deveria arranjar imediatamente uma discussão aberta entre a sociedade civil e o Estado para que se resolvesse essa situação porque senão vamos ter simplesmente uma ou outra voz”, prosseguiu, dizendo que, com menos jornais, as pessoas correm mais risco de serem manipuladas.

“Isso é terrível para o nosso crescimento como seres humanos”, referiu o professor universitário, para quem é “urgente” o país começar a realizar encontros e fazer debates sobre o jornalismo.

Para o especialista, situação da imprensa tem que ver com a própria cultura cabo-verdiana de falta de interesse pela leitura e, consequentemente, pouca compra de jornais.

“A produção de jornais em Cabo Verde é exígua. Os nossos parceiros da costa ocidental africana, como o Senegal, têm diários e nós até agora fomos incapazes de ter um diário e essa incapacidade não foi por falta de produção jornalística, mas sim a falta de leitores”, analisou.

Questionado se isso tem a ver com a qualidade do jornalismo, Daniel Medina disse que a qualidade não é tão importante para a sobrevivência dos jornais porque “há jornais sem qualidade em várias partes do mundo e que sobrevivem”.

“Tem que ver é com a capacidade de compra das pessoas. Ao não comprarmos jornais não haverá dinheiro suficiente para que as empresas jornalísticas possam contratar bons profissionais para produzir bons produtos”, afirmou.

Considerando que a alternativa é incentivar os jovens desde pequenos para a leitura, o especialista disse que os jornais ‘online’ podem ser uma alternativa, mas não a solução.

“Penso que quem não lê, não lê nem jornais ‘online’. Passa uma vista de olhos. Os jornais ‘online’ podem ser, sim, uma alternativa para as pessoas que continuam a ler os jornais no papel”, reforçou Daniel Medina.

O investigador disse que não sabe se o fecho de jornais tem a ver com má gestão, mas salientou que estão “viciados”, uma vez que a maior parte dos jornais tem uma “conotação partidária”, onde a pouca publicidade que existe serve para ajudar o jornal próximo de algum partido.

“É muito difícil em Cabo Verde sobreviver em termos jornalísticos porque gasta-se muito dinheiro no papel e não tem onde ir buscar o dinheiro, a não ser na publicidade, que é escassa e muitas vezes repartida e redirecionada consoante as linhas ideológicas”, analisou.

Mesmo com um mercado exíguo, jornais a fechar e jornalistas no desemprego, as universidades cabo-verdianas contam com cinco cursos de comunicação social, que todos os anos lançam muitos jovens no mercado.

O ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, Abraão Vicente, e a presidente da Associação de Jornalistas de Cabo Verde (AJOC), Carla Lima, consideraram que as universidades devem repensar a sua estratégia para os cursos de comunicação social.

Daniel Medina não corrobora totalmente a ideia, considerando que se deve repensar é todo o ensino superior e apostar no ensino profissionalizante, que abrirá mercado a “gente que saiba fazer coisas” e não apenas a “pensantes”.

“Toda a gente quer fazer cursos e depois não há mercado. Só haverá mercado para os que são muito bons, no jornalismo como em qualquer outra área. Senão estaremos a condenar esses jovens a um fracasso, insucesso e frustração enormes”, defendeu.

Na imprensa escrita, Cabo Verde possui dois semanários generalistas impressos (“Expresso das Ilhas” e “A Nação”), com as respectivas páginas na Internet, a agência de notícias Inforpress, dois jornais temáticos (“Artiletra” e “Terra Nova”), o jornal ‘online’ “Notícias do Norte”, entre outros portais.

Redacção & Lusa

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