(De)Pressão de uma mulher apaixonada

Passam dois meses depois da tua partida. Este quarto e este corpo ainda têm o teu cheiro. As minhas bochechas, que um dia foram negras e hoje são roxas, ainda se lembram das tuas noitadas.

Os meus olhos, que um dia admiraram a tua beleza, hoje são apenas duas pedras negras e secas que derramam água por todos os cantos desta casa. A esteira é mais dura e o caniço é ainda mais frio, no Inverno.

Dizem que as paredes têm ouvidos, as nossas tinham bocas. Quantas foram as vezes que contaram os nossos mais íntimos segredos a quem quer que passasse pela rua? Mas não te importavas, pois não? Eras um cavalo, mas era eu quem era montada. Não sei do que mais sinto falta, se é dos teus berros, ou da ânsia da tua volta de todas as vezes que viajavas para as minas, ou simplesmente decidias passar o final de semana fora com as tuas mbuias¹.

Sempre soube do que fazias, sempre soube que partilhavas prazeres que eram meus por direito em outros lençóis, esteiras e até becos e gastavas até o que não tínhamos, mas orgulhei-me sempre do facto de nenhuma delas te ter arrancado de mim, sempre soube que eras meu, com todas as tuas falhas, mas eras meu. Era no meu colo que choravas sempre que perdias mais um emprego, sempre que elas mexiam com o teu orgulho, amor! Eu sentia nestes mucumes² e confesso que gostava.

Ainda me lembro de quando nos casámos juraste que nunca me irias abandonar, mas, como sempre, não cumpriste a tua promessa e hoje não mais aqui estás. Estou cansada de sentir a tua falta, sinto falta até das carícias de touro e de quando zurravas.

A tua família diz que fui eu quem te matou para ficar com as “coisas”. Mas eu dou-lhes toda a razão, porque apenas eu vivo e consigo sentir o vazio que tu me deixaste. Até as paredes ficaram tristes com a tua partida, não mais terão segredos nossos por contar.

Sempre vivi para ser tua e para te servir, e agora que tu te foste não sei para quê viver, nada me resta senão ir atrás de ti como fiz das vezes que caíste de bêbado nas barracas e ninguém te quis trazer de volta para mim.

Será que os ratos sentem dor quando morrem? Será que isto tem sabor? Não sei, mas não te preocupes, meu amor, que daqui a pouco estaremos juntos, e eu estarei ao teu lado para limpar o teu vómito, e descalçar as tuas meias, e ver a eterna criança que vive dentro de ti que sempre quer sair para brincar… e para ser grata pela tua eterna ingratidão.

STÉLVIO MARTINS – um humilde silencista

1 mbuias – amantes

2 mucume – cobertor feito de capulana, um tecido geralmente colorido típico africano

Este artigo foi intitulado foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Redactor, na sua edição de 25 de Julho de 2023, na rubrica de opinião denominado OPINIÃO.

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