Este só dorme!

Foi com esta frase que despertei. Eram 06 da manhã e a minha mãe já estava ao telefone com a minha irmã mais velha para a habitual prosa matinal, para não dizer fofoca matinal. Aquela frase não me era estranha e eu já sabia qual era o assunto, invariavelmente: era eu.

25 anos depois de ter nascido, diploma da universidade, diversos cursos de curta duração, dois idiomas falados e nenhum trabalho ou rendimento para justificar tal sacrifício. Sou um fracassado, mas não um fracassado qualquer, sou um fracassado com diploma. Ocupei-me sempre dos estudos, na adolescência. Nunca fui um jovem dado a faras e nem a grandes aventuras.

Quando os vizinhos tinham a intenção de chamar atenção aos seus filhos era o meu nome que era evocado como exemplo. Por que é que não és como João?, perguntavam eles.

Estes comentários rendiam-me olhares cortantes por parte da malta da zona que pouco ou nada queria saber de mim. Estes passavam o tempo nas barracas, consumiam álcool, fumavam e pouco ou nenhum tempo dedicavam à escola. Eram por alguns vizinhos mais ousados tratados por molowenes. Recorriam ao trabalho braçal como um meio para satisfazer as suas necessidades financeiras. Empurravam txovas, carregavam trouxas, faziam covas, levantavam obras, enfim uma infinidade de trabalhos que não necessitavam de um diploma universitário. Enquanto isso, eu dedicava-me a todo o gás à escola e evitava os vícios a todo o custo.

Passam-se oito anos desde que terminei o secundário. A maior parte deles já tem família, arrenda casas no bairro e vive uma vida simples, sem muitos luxos, são pedreiros, serralheiros e alguns mecânicos. A vida deles é aparentemente satisfatória. Continuam com os mesmos vícios, têm mulheres que os amam e filhos que os chamam de pais.

Muitas são as vezes que vejo as esposas a irem carregá-los das barracas, a lavarem as suas roupas nos quintais vedados por espinhosas e gabarem-se das outras do quanto é engraçado como mesmo quando os maridos voltam embriagados ainda as procuram.

Hoje, percebo os seus olhares penosos. Quando saio pela rua nas poucas vezes que decido incorrer em caminhadas ou saio para pela milésima vez entregar mais um currículo. Cumprimentam-me e baixinho cochicham com quem quer que seja que esteja do lado. Consigo ler nos seus lábios: “Mbuya nguana”.

Não me lembro da última vez que tive moedas soltas no bolso, não sei como ganhá-las sem recorrer à minha mãe. Passei muito tempo a ser intelectual e não sei fazer nenhum trabalho que não exija tal qualificação. E hoje, mais uma vez, pronto para mais uma distribuição de currículos, pergunto-me se realmente valeu a pena.

E se já seria tarde para engrenar pelo trabalho das mãos. Por agora de nada me vale a intelectualidade, amargurado sou o moço que só dorme.

STÉLVIO MARTINS

Este artigo foi intitulado foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Redactor, na sua edição de 31 de Agosto de 2023, na rubrica de opinião. 

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