O azar do Vandole

Vandole não tinha nada para dizer, mas desenvolveu na sua mente a ideia de que para ser eleito ou nomeado para uma função, devia ser visto a falar, não importa o que fosse.

Para o Vandole, o bom desempenho no trabalho era secundário, mas o “ser visto” era crucial. Durante a reunião, viu muita gente a se levantar e a colocar as suas ideias e, a ser aplaudida. Achou que era mais uma oportunidade para promover a sua imagem naquele partido. Levantou a mão para pedir a palavra, ao que o chefe o concedeu. Ajeitou a sua camisa amarfanhada pela motorizada, seu meio de transporte, enquanto marchava para a frente do público partidário. Chegado no local e face-a-face ao público, deu vivas ao país; deu vivas ao Presidente da República; deu vivas ao partido; deu vivas ao distrito; deu vivas a todos membros do partido aí presentes e, finalmente, ficou com o punho ao ar, fez girar o seu pescoço e a cabeça acompanhou, procurando a quem mais dar vivas. Vendo que não se recordava de mais ninguém, disse:

Caros irmãos, levantei-me para dizer que não tenho nada para dizer, mas apenas dizer que as minhas ideias foram ultrapassadas com a intervenção dos irmãos que me antecederam!…”

Os mais informados sobre o vandolismo, entenderam que ele era um “vandole” e minimizaram a sua pessoa. Entretanto, ele pensou que já tinha feito a sua campanha naquele ambiente, ou seja, já tinha sido visto.

O Vandole era um cristão, baptizado mas não ia à igreja. Pensou que no momento de eleições era importante que Deus o visse a frequentá-la e não só, os irmãos da igreja alguns dos quais eram eleitores, poderiam influenciar para a sua vitória. Achou que a melhor forma de se fazer ver na igreja, era deixar toda gente entrar e ele ser último a entrar e fazer de contas que ia procurando o lugar para sentar. Assim, toda gente o veria. O Salão Paroquial estava cheio de crentes, todos atentos à missa. O Vandole percorreu de assento em assento reparando a cada um para se certificar se as pessoas o viam bem. Muitos crentes consideraram que estava a perturbar a missa enquanto outros o consideravam de atrasado.

Os mais informados sobre o vandolismo, entenderam que ele era um “vandole” e minimizaram a sua pessoa. Entretanto, ele pensou que já tinha feito a sua campanha na igreja e, tanto Deus como o Padre e os crentes já o tinham visto.

Um indivíduo tomado de espírito de vandolismo é como um feiticeiro: sozinho se convence que a sua ideia lhe trará vitórias!…

Desta forma, o Vandole pensou: “Porque não irei fazer a campanha nos Chapas-100” já que há muita gente proveniente de vários pontos e categorias sociais, camponeses, pescadores, artesãos, funcionários de instituições do Estado, etc., que neles circulam? !… Aí, mataria com uma mesma flexa muitas gazelas!…

Assim, o Vandole se foi e entrou no chapa. Encontrou um ambiente calmo com uma música de um famoso cantor tocando ao fundo o que fazia os passageiros gostarem da viagem. Achou que tinha encontrado um clima muito bom para a sua intervenção. Apesar de ele ter onde sentar, passeou no corredor do carro reparando e saudando a cada um como se fosse seu conhecido. E depois, introduziu a “desconversa”: “caros irmãos, se nós outros fosssemos dirigentes deste país, não iriamos permitir machibombos onde uma filha senta com o seu pai como se de namorados se tratassem. Ë que as cadeiras estão muito apertadas neste carro!…”

Ninguém mais entendia o que o Vandole dizia haver naquele carro. Aliás, ele próprio sabia que não era para falar nada, mas sim, para ser visto. A música começou a ser perturbada e os passageiros começaram a pensar que aquele indivíduo “não batia 100”.

Os mais informados sobre o vandolismo, entenderam que ele era um “vandole” e outros pensaram que era um maluco. Porém, o Vandole registou na sua agenda que já tinha feito a sua aparição nos “Chapas-100”.

E assim andou o Vandole de acção em acção, despromovendo a sua imagem mas sempre convicto que estava num caminho certo. Ele ficou conhecido em todo lado como sendo um que tem problemas mentais, enquanto os conhecedores do vandolismo sabiam o que era.

No dia da votação, os eleitores internos daquele partido, por unanimidade sabiam que deviam eleger um candidato que fala pouco mas realiza muito trabalho, pontual, respeitoso e outras qualidades que o Vandole não tinha. Por esta razão, o Vandole teve apenas UM voto e acabou morrendo de desgosto.

Antes da sua morte, o Vandole pensou: “ já fiz a campanha eleitoral dentro do Partido, na Igreja e nos Chapas. Mas a aceitação ainda não é suficiente!...”.

Achou que devia ser conhecido pelos chefes do Partido, para estes influenciarem ao eleitorado. Mas nunca tinha chegado, alguma vez, nas residências deles. Então, a missão desta vez era mais complicada do que nas vezes anteriores.

O Vandole devia fazer por todos os meios possíveis para ser visto pelos chefes. Decidiu começar por acostumar às esposas dos chefes por saber que as mulheres exercem uma grande influência sobre os seus maridos. Como era um estranho para os chefes, estes o consideraram que era um pretendente das suas esposas.

As mulheres dos chefes que sabiam como é que um  “vandole” se comporta, explicaram aos maridos que aquele era um vandole e juntos passaram a esquivar a presença daquele indivíduo em suas casas. E passaram a lhe dar o nome de “interesseiro”.

É que o Vandole esqueceu que a campanha eleitoral se faz muito antes do período oficialmente declarado para o efeito, através da forma de viver com a sua família, os seus vizinhos; como cria os seus filhos, a sua riqueza; como trabalha; como lida com as pessoas, etc. Uma vez que não tinha observado a estes e outros aspectos, cada etapa da sua campanha eleitoral, era um azar.

Um amigo do Vandole o aconselhou que em tempo de campanha a assistência à família era muito importante. O amigo continuou dizendo que um candidato que não presta atenção à família, o eleitorado pode o considerar que também nunca vai prestar a atenção necessária ao bem-estar dos seus concidadãos. Achou que esta era uma muito boa ideia.

Entretanto, havia muitos anos que o Vandole não tinha o hábito de visitar ou de dar assistência a familiares seus. Estranhamente, naqueles dias passou a bater as portas de residências de seus familiares nas manhãs, muito cedo. O Vandole passou a promover reuniões familiares onde ele era o orador principal.

Naquelas reuniões, ele não tinha nada para dizer, mas desenvolveu na sua mente, a ideia de que para ser eleito, devia ser visto muitas vezes a falar, não importa o que fosse. E este exercício devia começar, conforme o conselho do seu amigo: na família.

Num dado dia daqueles tempos, o Vandole ia dirigir uma reunião de campanha na residência do seu tio, por sinal, o líder da família. Para o seu mais um grande azar, o Vandole esqueceu-se de que a reunião era de carácter familiar e, logo no início da reunião, pumba!…

Deu vivas ao país; deu vivas ao Presidente da República; deu vivas ao partido; deu vivas ao distrito; e, depois recordou-se que não estava no Partido. Para contornar a vergonha, explicou que iniciou a reunião daquela forma para ensinar “as formas modernas de reuniões familiares”.

Na família, os mais informados sobre o vandolismo, entenderam que ele era um “vandole” e minimizaram a sua atitude.

Entretanto, ele pensou que já tinha feito a sua campanha naquele ambiente, ou seja, já tinha sido visto.

Os membros da família passaram a comentar que o Vandole provavelmente tinha algum problema mental e começaram a encará-lo com desconfiança.

Quando a campanha “aqueceu”, estando os outros candidatos a promoverem as suas imagens, o Vandole “emprestou” o dinheiro do serviço e passou a pagar os lanches, recargas de telefones e outras despesas aos eleitores. As contas da empresa naqueles meses não deram certo: o Vandole foi acusado de corrupção!…

Muito longe das suas espectativas, o Vandole passou a ser muito mal falado pelo público: “só gosta de ser visto...”; “atrasa e encomoda as pessoas na igreja…”; “faz barrulho nos Chapas-100…”;  “é corrupto…”, etc.

E assim andou o Vandole a ser desvalorizado dum lado para outro, tendo acabado por perder a sua popularidade e reputação no seio da sociedade.

No final da campanha, quase todos os eleitores internos daquele partido, sabiam que deviam eleger um candidato que fala pouco mas realiza muito trabalho, pontual, respeitoso, que dá assistência à sua família, não corrupto e outras qualidades que o Vandole não tinha.

Por esta razão, no dia da votação o Vandole só teve UM voto a seu favor e acabou morrendo de desgosto.

Joel Amba

Este artigo foi publicado em primeira mão na versão PDF do jornal Correio da manhã, edição de 08 de Outubro de 2018 no espaço de OPINIÃO

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