Rescaldo da economia de mercado em Moçambique

Mudar da economia centralizada para a economia de mercado não é fácil, uma situação equivalente a pegar um voo sem ter visto o destino.
Acredito que a maioria dos nossos jovens até os 40 anos não tem conhecimento sobre a mudança da economia centralizada para a economia de mercado no país.

Eis a retrospectiva:

Estávamos nos finais da década 80, anos 88/89, quando o Governo de Moçambique, na altura liderado pelo Presidente Joaquim Chissano, tendo como Primeiro-ministro Mário Machungo, se anunciou a adopção da economia de mercado em substituição da economia centralizada em Moçambique. O Fundo Monetário Internacional (FMI) assistiria tecnicamente à transição. 

Logo a seguir ao anúncio, cada moçambicano ficou expectante para ver o que ia mudar de concreto na sua vida, em particular, e no país, em geral.

Olha, foi rápido e os moçambicanos assistiram a uma transformação de grande envergadura na economia do país.

Injectou-se no mercado nacional todo o tipo de produtos e artigos, algo que os moçambicanos não viam desde que o país se tornou independente, em 1975.

Era o fim da segmentação do mercado que caracterizava a economia centralizada, todos os cidadãos passaram a ser iguais perante o mercado, o que contava era o bolso de cada um.

Cartões de abastecimento nas cooperativas e de compra nas lojas especiais deixaram de funcionar; as próprias cooperativas encerraram; as lojas do povo, a Interfranca, os postos especiais para a compra de pão, o Gabinete de Abastecimento à Cidade de Maputo (GOAM), entre outras unidades de controlo do comércio, deixaram de funcionar. O comércio era livre e estava-se numa nova era em Moçambique. 

O sector industrial foi o mais afectado com a paralisação de grandes fábricas e consequentes despedimentos em massa dos operários. As empresas estatais deixaram de funcionar, algumas foram transformadas em sociedades anónimas, outras em empresas públicas e a maioria privatizada.

Em tão pouco tempo, começámos a ver tanta gente na rua a desenvolver pequenos negócios. Era a forma encontrada para lutar pela sobrevivência.

Um pequeno grupo de cidadãos, com alguma instrução, sabia para onde estávamos a embalar com esta mudança e preparou-se minimamente melhor comparativamente ao resto da população que foi aprendendo com o dia-a-dia caracterizado pela abundância de tudo e falta de dinheiro.

Porque a economia de mercado tem como premissa a acumulação de capital, o dinheiro, papel-moeda que também pode medir-se pelo património/activo, surge uma espécie de concorrência na acumulação de capital, onde encontramos os que têm dinheiro porque os seus negócios geram altos rendimentos, ou herdeiros; mas igualmente começam a aparecer os que, aproveitando-se da sua posição como gestores institucionais, desviam dinheiro alheio para ombrearem com os que têm dinheiro nas condições anteriormente referidas.

Novas práticas para fazer face à vida

Porque a economia de mercado está centrada no capital, o dinheiro, papel-moeda, surgem novas práticas nos sectores de actividade a todos os níveis, casos de;

1. Cabritismo

Prática de desvio de fundos baseada no desvio de recursos financeiros ou materiais disponíveis no sector de actividade para a acumulação de recursos que permite melhorar o poder de compra.

2. Boladas

Negócios rápidos de natureza informal de produtos ou artigos de proveniência duvidosa que requerem maior flexibilidade entre as partes envolvidas na tramitação.

3. Fuga ao fisco: Aplica-se ao campo da importação de artigos e bens. Pela sua sensibilidade não vou aprofundar.

4. Comissões: Aplica-se aos intermediários da negociação de toda a natureza e em todos os sectores e a todos os níveis.

5. Corrupção: É o somatório de todas as práticas anteriormente referidas.

 A corrupção está segmentada, tem níveis e modelos de actuação, caso para admitir que cada um de nós pode ser corrupto à sua maneira.

Os países que adoptaram o capitalismo no meio do percurso são mais propensos à corrupção comparativamente àqueles que nasceram já capitalistas, dentro de uma economia de mercado.

Consequências da corrupção

– Fragilização institucional com destaque para o sector público, onde as dificuldades para o controlo são maiores.

– O desvio sistemático tem como consequências a falta de liquidez, onde o Orçamento do Estado (OE) e o Plano Económico e Social (PES) não encontram disponibilidade para a sua execução.

– O Estado não consegue honrar os seus compromissos com terceiros e pode não conseguir pagar salários aos funcionários.

– Os investimentos ficam condicionados à existência de disponibilidade de fundos, apesar de orçamentados e o Governo fica mal na fotografia, mas nós, como funcionários, através das nossas práticas, desviamos os recursos e paradoxalmente juntamo-nos àqueles que reclamam salário quando no fundo sabemos o quão estamos envolvidos nos desvios.

Qualquer um consegue notar:

  • As estradas estão degradadas,
  • As escolas estão obsoletas
  • Os hospitais também
  • Todas as infra-estruturas públicas clamam por requalificação.
  • Escassez de serviços públicos de transporte.

Entretanto, o sector privado vai crescendo em todas as áreas e sentidos.

  • Tanta escola privada para todos os níveis,
  • Tanta clínica privada e rede de farmácias verdes.
  • Apesar disso tudo, a FARMAC, EE transformou-se em FARMAC, SA, mantendo todas as características e património anteriores,

Apenas alguns exemplos do impacto da economia de mercado


Compatriotas,
Urge intensificar a educação comunitária sobre o capitalismo, uma vez que há reclamações sobre muita coisa que não faz parte do modelo que adoptamos, algo que fazia sentido reclamar na economia centralizada.

O capitalismo dói para as comunidades, sobretudo quando adoptado em países pobres como o nosso.

O país pode fazer algo para minimizar o impacto da corrupção, instituindo a lei da comissão e gorjeta.

Nunca é tarde, tudo treina-se!

Este artigo foi publicado em primeira-mão na versão PDF do jornal Redactor, na sua edição de 14 de Dezembro de 2023, na rubrica de opinião denominada Nunca é tarde, tudo se treina!

Messias Mahumane

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