Moçambicanos “escangalham” e quem enriquece são os expatriados

São estrangeiros que incentivam, financiam e lucram com o garimpo e comércio ilegal de ouro na província central moçambicana de Manica, numa actividade que ocorre à luz do dia e quase sempre com mortes à mistura, mas com benefícios quase nulos para os nativos, ante uma aparente incapacidade das autoridades para travar o drama.

As fronteiras legais e passagens improvisadas com e para o vizinho Zimbabwe são as portas de saída do grosso do produto para o mercado internacional, conforme apurou o Redactor numa pesquisa desenvolvida em Manica.

A actividade é tão inusitada que se vai ao extremo de os impulsionadores da prática do garimpo e tráfico ilegal de ouro adquirirem casas em locais estratégicos a partir das quais abrem túneis  labirintosos que dão acesso aos locais de exploração mineira informal.

Outro extracto deste mesmo grupo estabelece-se numa área considerada “nobre” e pomposamente conhecida em Manica como “bairro das piscinas”, curiosamente não muito distante do Comando Distrital da Polícia da República de Moçambique (PRM), facto que reforça ainda mais as suspeitas de envolvimento de sectores/figuras relevantes no negócio.

Soubemos através da nossa investigação que a maioria destes indivíduos é de origem asiática e que alguns estão em Moçambique ilegalmente.

Como forma de se proteger, estes indivíduos recorrem a intermediários que geralmente são moçambicanos que fazem a compra do ouro no garimpo, directamente dos garimpeiros a preços que começam de três mil meticais/por grama, numa altura em que o ouro é comercializado no mercado internacional ao preço de seis mil meticais/grama.  O Governo fixou o preço em 3500 MZN.

Espantosamente, o comércio ilegal é feito de forma aberta. O autor deste texto, por usar dreads, rapidamente foi confundido com um vendedor de ouro e facilmente se movimentou no “bairro das piscinas” para recolher detalhes sobre o negócio. As abordagens são feitas de forma relaxada e no meio da rua.

Na montanhosa e maltratada localidade de Chu, existem diversas empresas mineradoras. Ao longo do caminho é possível ver vários rios poluídos claramente com água imprópria tanto para o consumo humano bem como para a irrigação de campos agrícolas. Tem lá campos abertos onde pessoas de quase todas as idades [menores de idade incluídos] e sexos participam no trabalho do garimpo.

Ajuda Vasco, de 22 anos de idade, natural de Vanduzi, pai de uma filha de oito meses, é garimpeiro há quatro anos, alega estar no garimpo ─ uma actividade de alto risco ─ devido à falta de emprego alternativo. Disse que o seu sonho era ser professor, mas a falta de rendimento para custear os estudos fê-lo mudar de opções.

Ajuda mora num quarto arrendado nas bermas da estrada lamacenta que dá acesso a Chua. Lamenta não ter rendimentos fixos para programar a sua vida, porque os proventos do seu esforço variam entre cinco mil e dez mil meticais/mês.

Arregalado, diz que todo o santo dia é uma incógnita, uma vez que já testemunhou a morte de “muitos colegas” enquanto buscavam ouro.

Segundo Ajuda Vasco, os buracos chegam a extensões de até 60 metros que são feitos sem nenhum tipo de equipamento de segurança. “Arriscamos porque estamos à procura de dinheiro e não temos como reservar parte para aquisição de equipamentos de segurança”.

Noé Luís Tobias, de 24 anos de idade (foto de destaque), também é garimpeiro e morador de Chua.  Está na actividade desde 2017. Encontrámo-lo empenhado numa mina que outrora foi concessão de uma empresa.

Onde agora Noé e seus companheiros buscam “restos de ouro”, disse que já presenciou a morte de “vários colegas” e que tem medo que eventualmente tenha o mesmo destino. “Também sou serralheiro, mas raramente consigo trabalho nesta esfera, situação agravada devido à falta de clientela. O garimpo foi o último refúgio”, lamenta, colocando as mãos na pelve. 

Pedro Tadeu Malondo, régulo da localidade de Chua, corrobora os seus “súbditos” para a opção pelo arriscado trabalho do garimpo: “na comunidade não há infra-estruturas ou alternativas que garantam uma vida estável”.

Riscando o chão com o cajado que representa o seu poder, Malondo lamenta o facto de os exploradores estrangeiros de ouro em Chua nada fazerem em prol do desenvolvimento local.

“Uma vez a ponte sobre o rio caiu, falámos com os gestores das empresas para arranjarem a infra-estrutura e não se dispuseram, a população teve de recorrer a tábuas de madeira para reconstruir a ponte”, lamentou o régulo.

Naquela localidade também não existe uma escola secundária e os meninos da zona que pretendam prosseguir os estudos naquele nível devem fazer viagens que no mínimo custam diariamente 300 meticais.

“Os nossos filhos também não têm acesso a empregos formais nestas empresas”. Estas limitações, segundo o régulo Malondo, levam grande parte dos jovens daquela localidade, em particular, a entrarem no negócio de ouro. 

A nossa Reportagem testemunhou os desabafos do líder comunitário: justamente a escassos metros da sua residência encontrámos jovens com idades entre os 18 e 25 anos entregues às tarefas de mineração, praticamente todos com um denominador comum – tronco nu, pá e lanterna.

O Governo diz estar ciente destes negócios ilegais e riscos associados. Silva Manuel, director dos serviços provinciais de infra-estruturas, que também acumula as funções de minas, transporte e comunicações, recurso hídricos e energia, falou em torno da problemática e disse que o Executivo local tem estado a fazer esforços para controlar a situação.

Releva a componente financeira e refere estar ciente de que em cada uma destas transacções perdem 6% (seis por cento) de imposto.

Silva Manuel admite a incapacidade do Governo para travar a exportação ilegal de ouro para o vizinho Zimbabué, por conta dos estratagemas observados pelos incentivadores, financiadores e promotores destas práticas.

“São produzidos cerca de 650 kg mensais de ouro, dos quais pouco mais de 150 kg provêm do garimpo, contudo esta informação só é possível apurar porque nos temos dirigido aos campos e compelimos alguns garimpeiros a formarem-se em associação, por conseguinte têm a obrigação de registar o que conseguem colher para serem taxados, contudo estamos cientes de que há muito mais que é retirado pelos ilegais sem o nosso conhecimento”, referiu Silva Manuel.

O governante saiu em defesa das empresas exploradoras porque, no seu entender, estas cumprem com o seu dever de responsabilidade social, embora não seja estipulado por lei, através da construção de escolas, hospitais, mercados e vias de acesso.

A nossa Reportagem notou estarem em marcha a construção de salas de aula e reforma de outras em escolas primárias no distrito de Manica. As vias de acesso são todas de barro e areia vermelha e representam um certo problema na época chuvosa.

STÉVIO MARTINS, enviado a Manica

Este artigo foi publicado em primeira mão na edição em PDF do jornal Redactor do dia 15 de Dezembro de 2023.

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